“Desmaiei em casa quando estava com Orlando. Ele me pegou no colo e levou até o hospital. Fui internada, e ele ficou ao meu lado. Os médicos não entendiam o que estava acontecendo comigo. Depois de muito tempo, foi descoberto um tumor no centro da minha cabeça, que secretava hormônios do crescimento que modificaram meu corpo inteiro. Às vezes eu não me reconheço. O diagnóstico tardio foi de acromegalia (doença rara causada por distúrbios hormonais). Uma médica disse na frente de Orlando que os resultados dos meus exames eram uma aberração e não sabia como eu ainda estava viva.
Em 2013, o tumor foi retirado, mas vieram as complicações do pós-operatório. Com imunidade sempre baixa, qualquer coisa — infecções, picadas, cortes — era motivo de hospitalização. Daquele ano até 2020, foram mais de 400 noites que passei na cama de um hospital. Ele me visitou todos os dias e me viu de todas as formas: gorda, magra, bonita, definhando. Imagino como é difícil ver quem você ama intubado.
Além de perder a saúde, perdi também meu trabalho e amigos. Na igreja achavam que, se eu estava doente, era porque vivia em pecado. Pararam de nos chamar para os encontros. Orlando nunca me abandonou. Passamos a viver a religião em casa.
Não lembro quando o conheci. Somos melhores amigos desde crianças, fazíamos parte da banda do grupo de jovens da igreja. Ele tocava guitarra, eu cantava. Crescemos juntos em Osasco, compartilhando as ‘primeiras vezes’, da carteira de habilitação à viagem internacional a Buenos Aires, e comemorando datas como Natal e Ano-Novo.
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Um dia, por e-mail, ele se declarou para mim. Disse que estava apaixonado e que se sentia feliz ao meu lado. Era 2010. Orlando era meu melhor amigo, para quem eu contava tudo. Tinha medo que o perdesse algum dia se acontecesse algo. Eu também já gostava dele, só não tinha percebido. Nós trocávamos cartas e presentinhos. Em uma ida ao cinema, a gente ficou pela primeira vez. O filme não era nada romântico, Rambo IV. Quando a gente se assumiu como casal, não foi surpresa para ninguém.
Nosso sonho, desde o início do namoro, era casar. Em 2016, ele me levou para jantar no Terraço Itália. Na frente de todos, declarou dois poemas do chileno Pablo Neruda (meu poeta favorito) e me pediu em casamento. Sempre adoecida, foi difícil marcar uma data para a cerimônia. Conseguimos reservar em 2019 um espaço em Araçoiaba da Serra, no interior, com vista para o pôr do sol. No dia, choveu forte, molhou meu vestido, mas no final dos votos que fizemos um para o outro saiu uma luz linda e um arco-íris. Foi mágico.
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O dinheiro que juntamos gastamos na lua de mel. Visitamos Alemanha, Holanda, França e Bélgica. Depois, fomos morar num apartamento só com colchão e TV. Usávamos apenas uma panela elétrica até ter um fogão. Ainda hoje estamos comprando os móveis, porque preferimos investir em experiências a gastar com coisas.
Eu percebi que, desde que comecei a morar com ele, fiquei menos doente. A paz que eu sinto perto de Orlando faz eu me recuperar mais rapidamente.
Na pandemia, publicamos vídeos das viagens no YouTube e começamos a fazer conteúdo de receitas culinárias, sempre com bom humor. Cozinhar é uma forma de terapia nessa quarentena.
Não existe casal perfeito, mas parceiro. Nossa vida ainda está em construção e a gente não tem muito, mas tudo o que temos é compartilhado. Os sonhos dele viraram os meus. E sei que vamos manter essa amizade linda até o final da vida.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 19 de maio de 2021, edição nº 2738