O humor de gag, com toques de Chaplin, do personagem Melhor do Melhor do Mundo, no programa “Pânico na Band”, contrasta com a escola do nova-iorquino Andy Kaufman (1949 — 1984) no teatro. Para quem não se lembra, em novembro do ano passado, por ocasião do fim da temporada de “Minhas Sinceras Desculpas”, espetáculo no qual contracenava com uma banda, Eduardo Sterblitch, 25 anos, criticou o público e chegou a afirmar que abandonaria os palcos.
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A polêmica, como era de se esperar, revelou-se uma pegadinha. Ou seria o anúncio do que viria a seguir? Nesta segunda, Sterblitch estreia no Teatro Abril a comédia dramática “A Velha”, seu primeiro monólogo, no qual assina o roteiro, divide a direção e interpreta uma idosa narcoléptica de 180 anos.
Para viver a personagem que sofre de episódios irresistíveis de sono, o ator veste um pesado figurino e uma elaborada maquiagem, que custaram 30 mil e lhe rendem duas horas de preparação no camarim. Em cena, a velha carrega a tiracolo um porquinho de verdade e, entre “apagões” repentinos, crises de loucuras e falhas de memória, confunde passagens que vão da Revolução Bolchevique ao lançamento do iPad.
Em entrevista, o carioca radicado em São Paulo há cinco anos alterna ironia e frases de efeito para cutucar o público e falar sobre o novo espetáculo e sobre si mesmo: “Nem me considero um artista, e sim um jovem com potenciais artísticos”.
VEJA SÃO PAULO: Antes de encerrar a temporada de “Minhas Sinceras Desculpas”, você afirmou em entrevista que o teatro só interessa aos velhos ranzinzas. Agora, volta aos palcos interpretando uma idosa. Seria uma nova provocação?
Eduardo Sterblitch: Na verdade, algumas pessoas perceberam o motivo daquela entrevista, pois era o final da minha peça. Acho isso [que o teatro só interessa aos velhos ranzinzas] realmente, mas acho isso em média. Claro que têm muitos jovens que se interessam pelo teatro. Mas, como o palco está muito comercial, sinto falta de jovens com potencial para humor e drama trabalharem em coisas difíceis e desconfortáveis. Seria muito mais fácil, para mim, me pintar de prateado, fazer o que faço na televisão e ganhar dinheiro em vez de montar uma peça que requer uma construção de personagem e um estudo muito maior.
VEJA SÃO PAULO: Pode-se, então, entender aquela entrevista como uma jogada de marketing?
Eduardo Sterblitch: De jeito nenhum. Não falei nenhuma mentira, não falei nada que não ache. No entanto, as declarações cabiam dentro do momento. Eu realmente acho muitas coisas ruins em relação ao teatro, principalmente a falta de oportunidades para jovens artistas da minha idade que não fazem televisão. O teatro hoje em dia é um palco somente para atores famosos, os patrocinadores não investem em pessoas desconhecidas. Nunca seria uma jogada de marketing até porque não sou marqueteiro nem burocrata. Sou um jovem artista que tem potencial para fazer coisas e trabalho em cima das minhas ideias. Não são ideias à toa. Estudei bastante, conheço bastante teatro.
VEJA SÃO PAULO: Como você define a nova peça?
Eduardo Sterblitch: Apesar de ser um termo batido, é um texto contemporâneo, pois sou um homem pós-moderno e me obrigo a utilizar uma mistura de artifícios em qualquer trabalho que faço. É muito difícil transitar entre partes dramáticas e piadas de pastelão baseadas no circo e no humor dos irmãos Marx. Demorei muito para escrevê-la principalmente por juntar passagens tão difíceis.
VEJA SÃO PAULO: Qual foi a inspiração para o roteiro?
Eduardo Sterblitch: Desde que me entendo por pequeno, minha avó escreve as memórias dela. Algumas super melancólicas, com poemas abordando o envelhecimento. Tem um que aborda como a vida não serve de muita coisa, pois ela te dá experiência, mas as tira pelas falhas da memória. Daí surgiu “A Velha”. Ficar vivo por 180 anos deve ser uma tragédia, pois se vê todos morrerem, a saudade só aumenta e você fica sozinho. A peça quer mostrar justamente a importância de morrer.
VEJA SÃO PAULO: Como você relaciona suas posturas de ator em cena e fora dos palcos? Você não se preocupa com isso?
Eduardo Sterblitch: No cenário teatral que passamos, acho essa postura ainda mais importante. Essa provocação e arrogância causam uma discussão, e o teatro precisa de debate. A minha intenção em “Minhas Sinceras Desculpas” era provocar e confundir para que a plateia não ficasse numa reação passiva. Falar que o público é burro não é uma deslealdade, porque realmente o público só vai assistir a peças muito divulgadas. Se o cara sair falando mal ou bem, o que importa é colocar a pessoa para pensar. Cultura teatral é isso. Você pega Ibsen, Beckett, Shakespeare, sempre tem uma discussão, nunca é à toa.