A exemplo de muitos jovens, ele gosta da adrenalina das pistas de motocross e ouve bandas de hip-hop e rap. Aos 28 anos, Tiago Cabaço é também a grife que representa uma pequena revolução dos vinhos portugueses. De 2009, a quinta safra com sua assinatura do rótulo blog — assim mesmo, com letras minúsculas — rendeu-lhe o prêmio Talha de Ouro, concedido pela Confraria de Enófilos do Alentejo no fim de 2010. Parece pouco? Cabaço é o mais jovem enólogo a receber a láurea. Com pinta não só de vinicultor, mas de empresário bem-sucedido, ele lançou em 2004 o blog, num estilo mais refinado, e dois outros mais simples, sempre com grafias esquisitas, o .com e o .beb. Eram apenas 50.000 garrafas. Ao encerrar o ano, sua cave terá multiplicado esse número dez vezes. Nada mau para um principiante.
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Como o som que roda em seu iPod, o vinhateiro não hesita em fazer misturas para surpreender o paladar. Combina as uvas típicas de Portugal touriga nacional, trincadeira e alicante bouschet a sutis acréscimos das castas francesas syrah e cabernet sauvignon. “Eu crio vinhos arrojados no estilo, mas alentejanos no caráter”, diz Cabaço. Modernas tecnologias, caso da refrigeração dos tanques de inox para controlar a fermentação e preservar os aromas, assim como o uso de barris novos de carvalho francês para dar um toque de elegância, ajudaram a colocar o blog entre os lusos dignos de nota.
Convém lembrar que Tiago Cabaço porta um perfil arrojado, mas não é um self-made man. Tem uma bela história que o antecede tanto em casa quanto em seu país. Seus pais, Joaquim e Margarida Cabaço, possuem 100 hectares de vinhedos em Estremoz, um charme de cidadela no ensolarado Alentejo. Representam a quarta geração de produtores, cuja etiqueta Monte dos Cabaços associa tintos de qualidade a preços razoáveis.
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A nobreza dos vinhos de Portugal é antiga. “Temos uma ligação histórica e espiritual com o vinho”, diz o poeta português Luis Serguilha, apreciador e ótimo conversador sobre garrafas de seu país. Ao perceber o tesouro que tinha nas mãos, o marquês de Pombal criou a pioneira denominação de origem no mundo ao demarcar a região do Douro, em 1756. Naquele momento, estavam no auge os vinhos do Porto, fortificados pela adição de aguardente vínica. Aliás, eles nunca saíram do topo e são produzidos por grandes casas, como a Fonseca e a Taylor’s. A mítica safra 1963 resultou em exemplares reverenciados mundo afora. Um dos mais emblemáticos deles é o Quinta do Noval Nacional, cujos exemplares remanescentes são com frequência disputados em leilões. Em estoque na importadora Grand Cru, tem a garrafa cotada a 18.000 reais. “Em países europeus de forte tradição vinícola, como França e Itália, não se encontram vinhos de outros países nas cartas dos grandes restaurantes ou em lojas, mas não falta o Porto”, diz Marcelo Copello, colunista especializado em vinhos e autor do blog Vinoteca, de VEJA RIO. “No centenário Tour d’Argent, em Paris, existe até um Porto com o nome do restaurante.”
Entre os tintos finos de mesa, o primeiro rótulo a alcançar renome internacional foi o tradicional Barca-Velha, também elaborado na região do Douro e lançado apenas quando há safras excepcionais. Esse tinto só atinge o apogeu pelo menos quinze anos após sua colheita e pode permanecer na adega pessoal por décadas a fio. Há pouco mais de uma década, ele deixou de ser o único no pódio do requinte português. No Douro, muitas vinícolas reduziram a produção de Porto para investir em exemplares de mesa.
Os vinhedos em terraços, recortados em vários andares às margens do rio, constituem um terroir único e passaram a ser utilizados para elaborar rubros notáveis. Destacam-se os catálogos de algumas empresas, entre elas a Quinta do Crasto, responsável pelos formidáveis Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa. “As características do solo e as mais de 300 castas resultam em vinhos singulares”, diz Tomás Roquette, sócio do Quinta do Crasto e um dos integrantes do grupo Douro Boys, empenhado no marketing e na divulgação da região. Outro membro dessa turma, Francisco Olazabal, que é descendente de dona Antónia Ferreira (1811-1896), da Casa Ferreirinha, a criadora do Barca-Velha, tem no portfólio o vigoroso Quinta do Vale Meão.
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Ainda no norte de Portugal, o Minho é berço de Alvarinhos renomados. Ganhou seletos admiradores o Alvarinho “Moda Antiga” Vinho Verde, do produtor Anselmo Mendes, por reunir frescor e uma robustez incomum nesse tipo de branco. No centro-norte do país, Beiras tem como expoente Luis Pato. A qualidade de seus tintos, feitos com a difícil uva baga, consegue arrancar constantes elogios de grandes especialistas, caso da inglesa Jancis Robinson. Do Alentejo como o blog, o nobre Pêra-Manca é muito apreciado no Brasil. “Por aqui, esse tinto desfruta tanto ou mais prestígio que o Barca-Velha”, afirma Carlos Cabral, consultor especializado em vinhos e autor do livro “Porto, um Vinho e Sua Imagem”. São tesouros engarrafados.