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“A diversidade já deixou de ser só um modismo”, diz sócio de consultoria

Com grandes empresas como clientes, Ricardo Sales comanda negócio que ajuda a implantar a cultura da inclusão em marcas brasileiras

Por Humberto Abdo
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h36 - Publicado em 2 set 2022, 06h00
Ricardo Sales aparece sorrindo, com uma bandeira LGBT junto ao corpo e a cidade de São Paulo ao fundo
Visão inclusiva: projeto de Ricardo mantém cerca de quarenta funcionários; 55% são LGBTQIA+ e 65% são pessoas negras (Wanezza Soares/Veja SP)
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Com mentorias e conselhos para trazer mais diversidade ao ambiente de trabalho, dezenas de empresas (como Itaú, Gerdau e Porto Seguro) já passaram pelas mãos de Ricardo Sales, sócio-fundador da Mais Diversidade.

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Após se formar em jornalismo e descobrir um programa de inclusão social em um de seus primeiros empregos, o empresário decidiu trabalhar com consultorias que ensinam a importância desse tema nas organizações e como aplicá-las na prática.

Se poucos anos atrás a discussão era vista como modismo no meio empresarial, hoje é encarada como necessidade básica — e os resultados dessa preocupação podem, segundo ele, reverberar muito além do mundo corporativo.

Como nasceu a Mais Diversidade?

Eu e João (Torres) somos os fundadores. Lembro que assinamos o contrato social no Metrô Conceição. Não tínhamos dinheiro para táxi e os dois haviam largado o emprego, então nem saímos da catraca para poder economizar (risos). Eu comecei a trabalhar com esse tema a partir de uma indignação: os conselhos que diziam que a melhor coisa a fazer pela sua carreira é ficar no armário.

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Você ouvia literalmente “não revele sua orientação sexual”?

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Com muita frequência. E ouvia isso com a melhor das intenções, mas não sacavam que aquilo era uma violência. Como renunciar a quem eu sou Controlar meu gestual, não falar se estou namorando? Aquilo não ia servir pra mim.

Foi quando a empresa onde eu estava trabalhando criou um programa de diversidade e inclusão e dei um jeito de me juntar em 2005. A partir daquele momento entendi que a diferença também é potência. Se os ambientes corporativos são tão homogêneos, e eles são, o meu diferencial está nas experiências pessoais que me moldaram.

Como foi seu processo de aceitação?

Eu sou da geração que cresceu sem referência positiva da homossexualidade na mídia e não vim de uma família contrária e homofóbica, mas o assunto simplesmente não existia. A gente vai sacando aos poucos os resultados disso.

Em uma viagem a São Francisco me dei conta de que não sabia andar de mãos dadas com meu namorado, não conseguia. Você acaba negligenciando seu afeto e sua personalidade, mas chegou um momento em que precisava contar em casa. Percebi que criei fantasmas que não dialogavam com a realidade, porque o que recebi foi amor e acolhimento. Sei que essa é uma história de exceção, mas me deu confiança para falar mais sobre esse tema.

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Quais são as motivações das empresas ao buscar o programa hoje?

Cinco anos atrás, a maior parte era de empresas americanas que recebiam uma indicação da matriz nos EUA para fazer o programa no Brasil. Era comum até então elas apenas reproduzirem a cartilha do que era feito lá fora, sem considerar as especificidades culturais daqui.

Nos últimos anos, as empresas vieram por serem pressionadas pela sociedade e o próximo passo agora é que elas cheguem até nós por força do regulatório.

Antes era “Pra que mexer com isso?”, agora é “Como?”. E tem empresas atrasadas nessa agenda que agora precisam apertar o passo para conseguir dar conta dessas demandas.

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Você percebe quando o procuram por interesse genuíno ou por pura pressão comercial? Isso faz diferença?

A gente adoraria que fizessem esse movimento motivadas exclusivamente pela constatação de que estamos numa sociedade desigual, mas, mesmo que isso aconteça de forma indireta, é válido desde que a gente consiga ter mudanças.

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Quando o interesse é genuíno, elas certamente vão mais longe. Você não precisa comprar batalhas como na empresa que apresenta resistências, onde teremos de passar pelo processo de convencimento.

“Com muita frequência ouvi o conselho: ‘Pelo bem da sua
carreira, não saia do armário’”

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De que maneiras se manifesta o “atraso” nessas empresas?

Sobretudo na falta de compreensão de que esse tema é um dos assuntos da moda, sim, mas não é um modismo nem uma discussão passageira. Isso acontece mais nas empresas familiares, pequenas, médias e de capital fechado.

Quais são os pontos que mais causam resistência entre as empresas mais conservadoras?

O conservadorismo vale para quase todas, não importa o segmento. A maior parte das lideranças do Brasil, com raras exceções, vem de um meio social similar: brancos heterossexuais que estudaram nas grandes escolas e faculdades, pessoas que não tiveram uma experiência concreta com o preconceito e a discriminação na família e no dia a dia.

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Mas encontramos maneiras de lidar com isso, como a mentoria com CEOs, conversas feitas um a um, apenas eu e o líder da empresa em encontros para explicar esses conceitos e incentivá-los a ter contato com outras vivências. O alto executivo paulistano, se não cuidar desse aspecto, fica muito protegido da realidade. Trabalha na Faria Lima, mora a poucos quilômetros dali, e a cidade na qual ele circula é reduzida.

Uma vez enraizada essa nova cultura, quais são os benefícios para a marca?

Uma organização inclusiva tem mais criatividade porque é um espaço em que as pessoas se sentem à vontade para ser elas mesmas. Ajuda a empresa na retenção de talentos. Outro incentivo é o interesse dela em se manter atrativa para as novas gerações.

A geração Z será maioria no mercado em dez anos e para esse grupo o tema diversidade é inegociável, não existe a possibilidade de trabalhar onde eu tenha de conviver com assédio sexual ou precise ficar no armário. Se quiser atrair novos talentos e manter um ambiente criativo, é preciso ter inclusão.

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Quais são os desafios dos profissionais jovens que fazem parte de grupos minoritários?

Ainda existe em uma parcela do mercado a ideia de que não se encontram talentos em grupos minorizados e nós temos de buscá-los de forma proativa. E a pergunta que eu mais recebo até hoje é “Estou sofrendo homofobia na empresa, onde devo trabalhar?”.

Eu não consigo dar uma indicação precisa, mas posso dizer que hoje existem 150 empresas signatárias do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, que assinaram uma lista com dez compromissos. Não tem garantia de que nunca vai haver preconceito, mas a forte evidência de que, se houver, existe uma estrutura para poder denunciar.

Vocês também estão divulgando uma carta aberta aos presidenciáveis. Qual é o objetivo?

Essa carta tem a assinatura de mais de noventa organizações. É para mostrar ao empresariado que participar da vida política é fundamental, não existe empresa próspera fora da democracia. E o mundo todo neste momento está falando sobre diversidade.

+Assine a Vejinha a partir de 9,90. 

Publicado em VEJA São Paulo de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805

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