Dicionário de ruas de São Paulo convida moradores a compartilharem memórias afetivas da cidade
Site da prefeitura registra significados por trás dos endereços da cidade desde 2003 e oferece prêmios de até R$ 2 000 no Programa Memorabilia

Já se perguntou o que significa o nome da sua rua? O que aconteceu no dia 25 de março, ou quem foi o brigadeiro Faria Lima? A resposta talvez esteja a um clique de distância. O Núcleo de Memória Urbana (NMU) do Arquivo Histórico Municipal, responsável por gerenciar logradouros da cidade, alimenta desde 2003 o site Dicionário de Ruas, uma base de dados que integra informações básicas sobre todas as quase 49 000 vias registradas na capital paulista.
Os dados incluem ano de criação, localização e número da lei ou decreto que a criou — e, na maioria, uma explicação sobre o nome ou uma minibiografia, no caso de ruas que homenageiam pessoas. Desde 2022, alguns endereços ganharam um complemento especial com o Programa Memorabilia, que convida paulistanos a compartilhar memórias afetivas de seus endereços. Com prêmios que chegam a 2 000 reais para os melhores colocados, o concurso está com inscrições abertas, até 22 de julho, para a edição de 2025.

A ideia surgiu para complementar os dados, às vezes escassos, sobre as ruas da capital paulista. Enquanto os bairros mais antigos e ricos guardam registros precisos e abundantes, regiões mais periféricas carecem de dados históricos mais detalhados. “A cidade foi crescendo muito rápido, e não tiveram o cuidado de manter esse tipo de informação”, explica Gabriela Almeida da Silva, coordenadora do NMU. Os trabalhos selecionados pelo programa — que podem ser em formato de texto, foto ou ilustração — passam a integrar o acervo digital do Dicionário de Ruas, somando-se aos registros oficiais.
Um exemplo é a Rua das Flautas Transversais, no Jardim Ângela, cuja informação no site era apenas uma definição do instrumento: “Flauta tocada em posição próxima da horizontal, tendo o orifício de entrada de ar situado lateralmente em relação ao tubo”. A rua ganhou contornos mais pessoais em 2024, com a proposta de Juliana Mendes Santiago, 27, premiada em 4º lugar na categoria Zona Sul. Seu projeto foi uma foto do avô, Aderaldo Inácio Mendes, que veio do Rio Grande do Norte no começo da década de 1970.

Na imagem, ele posa na frente de um morro cheio de plantas, terreno onde levantou a própria casa do zero e onde morou a vida toda. A proposta de Juliana incluiu também uma releitura da foto original, em que Aderaldo, já idoso, posa na mesma rua. “Acho importante contarmos a história dos bairros a partir de outras perspectivas que não o nome das ruas, que é algo imposto”, aponta a bibliotecária, que ainda mora na mesma casa construída pelo avô.


Com o Programa Memorabilia, o Acervo Histórico Municipal também procura diversificar as vozes que resgatam a memória de São Paulo — dominada, nos arquivos oficiais, pela visão da elite. “A ideia é trazer memórias de outros grupos que compõem a história da cidade, porque o olhar oficial, o olhar do bandeirante, do médico, do engenheiro, já está dado”, completa Gabriela. Em uma cidade em que 87% dos homenageados em placas de rua são homens e mais de 1 000 endereços celebram bandeirantes e sertanistas, de acordo com levantamentos do NMU, o resgate de outros pontos de vista é muito bem-vindo.
Existem dois caminhos possíveis:
› Por um vereador
O parlamentar apresenta um projeto de lei para ser votado na Câmara. Se aprovado, o PL recebe pareceres do Núcleo de Memória Urbana e da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, que são levados em consideração na decisão final, que cabe ao prefeito.
› Cidadão Comum
O cidadão pode nomear uma rua preenchendo um formulário na Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, também disponível on-line. É necessário apresentar documentos pessoais, um croqui de localização da rua, a justificativa por trás do nome e, se for o de uma pessoa, o atestado de óbito — é proibido homenagear pessoas vivas. A proposta vem em forma de decreto, recebe os pareceres e é encaminhada para o prefeito.
Vale destacar que, em princípio, é proibido trocar o nome de um logradouro, a não ser que a rua seja homônima de outra (ou que elas tenham nomes muito parecidos) ou cuja denominação possa expor ao ridículo os moradores da via. Mais recentemente, em 2016, entrou em vigor o Programa Ruas de Memória, que permite alteração de nomes que homenageiam violadores de direitos humanos da ditadura militar.
Publicado em VEJA São Paulo de 20 de junho de 2025, edição nº2949.