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OLÁ,

Psiu!

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 17h10 - Publicado em 12 Maio 2012, 00h50

Na madrugada da última segunda, tive um sonho que no princípio parecia pesadelo. Não acho que nossa vida, quando estamos despertos, envia recados alarmantes que vão bater no nosso cérebro quando estivermos dormindo. O sono, assim, seria um não descanso. Prefiro achar que a vida mental dos adormecidos transforma em ficcionistas todos os humanos, faz de todos nós criadores de enredos, de belas ou feias histórias, inventores de fábulas como qualquer escritor, cineasta ou teatrólogo. Os sonhos são isso, contos mal costurados.

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Diria, então, que na segunda- feira fui autor de um sonho que começou meio estranho. Eu dirigia um carro, e não costumo dirigir. Trânsito pesado. Atrás de mim, emitindo fortes luzes azuis pelos seus quatro lados visíveis, pela frente, pelos lados e por cima, uma ambulância pedia passagem silenciosamente, deslizando por entre os carros como um peixe no meio de um cardume. Silenciosa veio e silenciosa foi, e logo atrás de mim luzes vermelhas girando anunciavam novo peixe grande abrindo passagem naquele mar de silencioso cardume, um carro de bombeiros, que passou como veio e foi indo, indo, até sumir lá adiante, silenciosamente.

Sonhos não narram com lógica, emendam retalhos. Olhei para o lado, e o que vi? Um motorista pressionando irritado os dois lados da cruzeta do volante, onde fica a buzina, pressionando com força cada vez mais desproporcional, e em seguida esmurrando o miolo do volante sem conseguir tirar dele nenhum som, e outros motoristas o olhavam perplexos, também incapazes de tirar som de sua buzina, mas conformados. O homem parecia estar passando por uma crise de abstinência de alguma droga. Olhando-o mais atentamente, podia-se ver uma espuminha espessa nos cantos dos seus lábios apertados.

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De repente, lá estava eu dirigindo o carro e, ao mesmo tempo, manobrando uma retroescavadeira na obra de fundação de um prédio, logo ali ao lado; era eu mesmo, não havia dúvida, escavando, puxando terra, aplainando, enquanto um bate-estacas martelava sua sonda e uma serra elétrica cortava caibros. Estranhamente, não escapava nenhum som daquelas máquinas infernais. Estranhíssimo silêncio.

A aparente falta de lógica do sonho me transportou — voando! — até um posto de gasolina, onde dois donos daqueles carros tunados com oito alto-falantes dentro de porta-malas escancarados gesticulavam perplexos, irados, desligando e religando cabos, verificando fusíveis e baterias, sem compreender por que os seus tremendos aparelhos de fazer barulho não obedeciam aos seus comandos. Permaneciam mudos. Bandos de jovens aguardavam decepcionados a zoeira que, segundo parecia, não ia acontecer.

Já então eu havia percebido que era o silêncio, incomum, que interligava aqueles fatos e conferia ao sono uma agradável suavidade. De cima, voando, vi homens correndo, atirando para trás, e policiais perseguindo-os, atirando também, e os disparos eram visíveis mas silenciosos, como tudo em volta; o helicóptero da polícia seguia a ação, passou por mim, silencioso, o piloto me fez um gesto de positivo, admirando minhas manobras, e eu me exibia um pouco, e era tudo suave, como costumam ser os sonhos em que voamos.

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Pousei, não há outra palavra, pousei sem provocar espanto num barzinho de calçada, famoso pelo tormento ruidoso que a jovem freguesia impõe à vizinhança. Coerentemente com a lógica do sonho, não havia conversa alta, palavrões, gargalhadas vulgares, todos pareciam adequadamente civilizados. Tecemos sonhos assim, nas dobras do improvável.

Que estranho fenômeno teria feito os caminhões de lixo e os ônibus trafegar macios como gatos? Por que voavam silenciosos como pássaros os jatos do aeroporto? Mão misteriosa havia baixado o volume de tudo. Psiu.

Súbito, um som alto, estridente; acordo: a campainha do telefone! Atendo, sobressaltado. É um trote:

— Acorda, cara! Hoje é o dia do silêncio! Ha-ha-ha-haha!

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