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O caso do falecido

À parte os mexicanos, que aproveitam o 2 de novembro para montar um festão em homenagem aos defuntos, o Dia de Finados é daqueles feriados que despertam pensamentos controversos, do tipo “Onde foi mesmo que enterramos a tia Clotilde?” ou “Que caminho devo fazer para evitar o Araçá?”. Criado pela igreja Católica no século XIII, […]

Por Mario Viana
Atualizado em 27 dez 2016, 15h01 - Publicado em 4 nov 2016, 23h00
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  • À parte os mexicanos, que aproveitam o 2 de novembro para montar um festão em homenagem aos defuntos, o Dia de Finados é daqueles feriados que despertam pensamentos controversos, do tipo “Onde foi mesmo que enterramos a tia Clotilde?” ou “Que caminho devo fazer para evitar o Araçá?”. Criado pela igreja Católica no século XIII, o Dia dos Mortos chegou até nós com a fama de ser “aquele em que sempre chove”, o que às vezes não é verdade. Ficou no passado dos anos 60 o repertório de músicas clássicas que as emissoras de rádio eram obrigadas a apresentar nesse dia. Atualmente, é capaz de porem DJ tocando sertanejo eletrônico na porta dos cemitérios.

    Mesmo sendo de conhecimento público que todo mundo vai passar por isso algum dia, a morte continua sendo um tabu para muita gente. Em teatro, tanto nos rende tragédias fenomenais quanto comédias de humor negro. No cinema e na literatura, nem se fala. Na música, um pouco menos. Gilberto Gil tem algumas canções lindas e poéticas sobre o tema.

    Arnaldo Antunes é mais cru. “Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer”, diz ele em Envelhecer. Já imagino a gritaria, porque esquecer os mortos é uma expressão bastante cruel. Melhor seria dizer que a gente se habitua à ausência dos que se foram — mas o poeta precisa de rima e métrica.

    + Os valentões do Facebook

    Na verdade, conforme tocamos a vida, vamos colecionando mortos, entre familiares, amigos e ídolos. O Dia de Finados acaba parecendo aquele momento da entrega do Oscar, quando homenageiamos falecidos do ano: passa todo mundo na nossa cabeça, com o indisfarçável alívio de não fazermos parte da antologia.

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    Apesar de mórbido, ou justamente por isso, o tema da morte sempre rende conversa. Outro dia me contaram do sujeito que, dono de saúde perfeita, disputava uma dessas corridas urbanas quando, catapimba: caiu estatelado no chão. Mortinho. Quase ao lado dele, vinham dois paramédicos. E, logo atrás, acredite, um cardiologista. Foi um corre-corre, um tal de massageia aqui, massageia ali, e o sujeito voltou à vida. Levado para o hospital, passou por uma bateria de exames, saindo de tudo com nota 10. Ele sofrera um apagão súbito e inexplicável. No ano seguinte, voltou à corrida, cercado pelo mesmo grupo, porque só se morre uma vez e ele não quis arriscar.

    Teve o caso da turista alemã que chegou atrasada para o embarque no voo 447 da Air France, do Rio a Paris, em maio de 2009. O avião sumiu no mar, matando todos a bordo. A alemã conseguiu embarcar alguns dias depois. Em Paris, alugou um carro para chegar a sua cidade — e morreu num acidente rodoviário. Houve também o bancário paulista que escapou por pouco de um incêndio pavoroso. Ficou meses e meses recuperando a pele queimada. Seu único desejo era voltar a pisar numa praia. Assim que se viu liberado pelos médicos, foi passear no litoral e morreu afogado. Se a gente escrever isso numa novela ou num filme, vão nos chamar de tudo quanto é nome feio.

    + Acabou o espetáculo

    Também não é fácil nascer nesse dia. Se você veio ao mundo num 29 de fevereiro, as pessoas vão fazer a mesma piada (achando que são geniais) e fica por isso mesmo. Mas 2 de novembro é batata: o aniversariante recebe aquele olhar de pena sincera, porque não deve ser possível comemorar aniversário no Dia dos Mortos. Se você não for o Gael García Bernal, fazer festinha nos Finados parece até falta de respeito.

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