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OLÁ,

Seu garçom, faça o favor…

Confira a crônica da semana

Por Mario Viana
Atualizado em 7 set 2017, 15h31 - Publicado em 7 set 2017, 06h00
 (Attílio/Veja SP)
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É um gesto quase incontrolável. Mal termino de pedir a pizza, estico um olhar para ver se o garçom aprova as coberturas que escolhi. É sempre um enigma. Em anos e anos frequentando pizzarias, nenhum garçom sequer levantou a sobrancelha ou interferiu no pedido, mesmo que tenha sido “meia aliche, meia gorgonzola com alho cru”. Essa capacidade de manter a pose me mata de inveja.

Com certeza há algum treinamento secreto para que o profissional leve sua discrição a níveis tão requintados. Imagino que não deve ser fácil conter-se diante dos pedidos esdrúxulos de três coberturas. Eu, certamente, faria cara de pânico ou coisa pior.

No mundo ideal, garçons seriam um termômetro de nosso gosto à mesa. Ou, pelo menos, representantes do bom-senso. Do tipo que não nos deixaria pedir feijoada e espaguete ao vôngole na mesma refeição. Alguns, quando consultados, até palpitam aqui e ali. “Não pede o peixe, não, a carne está melhor” já serve de bússola para nossa viagem gastronômica.

Pessoalmente, pego birra eterna de garçons metidos a espertinhos. Nos restaurantes de comida brasileira, geralmente servida com fartura, volta e meia encontramos um desses. O sujeito trabalha na casa, conhece as porções e, mesmo assim, deixa que as pessoas peçam um prato cada uma. Já vi isso acontecer algumas vezes, muitas comigo.

Numa delas, em um restaurante bem cotado de Salvador, três jovens europeus olhavam abismados o desembarque de bobó, moqueca e peixada, ao mesmo tempo, em sua mesa. O garçom faturou o dele, mas eu decidi que nunca mais pisaria naquele lugar. Achei desonesto.

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Garçons também devem ser craques em fazer cara de paisagem. Mesmo que ouçam os maiores absurdos, precisam exibir uma expressão de absoluta tranquilidade enquanto servem a refeição do cliente. Nem a mão deve tremer.

Declarações de amor, confissões de infidelidade, negociatas espúrias. Imagine o que não passa pelos ouvidos de um profissional habituado a só existir do peito para baixo — e isso não é um exagero. Quantas vezes você não ficou sem saber a qual garçom pediu a água mineral? Foi o baixinho gorducho ou o loiro alto? Usam todos o mesmo uniforme…

Pois garçons têm rosto e até um nome, registrado no crachá à altura do peito. É bastante fácil de ler. Ainda assim, eles parecem usar o manto da invisibilidade. Diante de sua presença ausente, ficamos à vontade até demais. Tão à vontade que os deixamos esvaziar a garrafa de vinho em nossa taça, para que peçamos outra, no entusiasmo. Ninguém controla o garçom afoito.

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Mas eles devem ter seus ressentimentos amortecidos. Faz tempo que não vou a rodízio de carnes, mas sempre me senti constrangido diante de um homem armado de um gigantesco espeto oferecendo-me coração de frango ou picanha. No terceiro “não, obrigado”, eu achava que ele iria encostar o espeto em minha garganta, cobrando uma resposta. “Por que não aceita?” Porque não gosto. “O que a picanha tem que não lhe agrada?” Já comi bastante carne por hoje. “Então por que veio a um rodízio?” Meu medo era encontrar um garçom no meio da terapia para vencer o complexo de rejeição.

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