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OLÁ,

O movimento bípede

Confira a crônica da semana

Por Ivan Angelo
Atualizado em 6 out 2017, 06h00 - Publicado em 6 out 2017, 06h00
 (Negreiros/Veja SP)
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Algum de vocês há de se lembrar: havia um restaurante no centro de São Paulo no qual uma fileira de umas doze pessoas comia de pé, no balcão, lado a lado, e atrás de cada comensal espichavam-se filas de gente esperando a vez. Na verdade eram duas as casas: essa de que falo, a Salada Paulista, na Avenida Ipiranga, e outra, quase igual, dobrando a esquina, na Avenida São João, a Salada Record. Foi uma das coisas extraordinárias que encontrei na cidade que escolhi para morar na metade dos anos 60. Naquele balcão de curta permanência serviam-se poucos pratos: risoto de frango, arroz de braga, maionese de batata com salsicha, macarronada, salada opcional grátis. O freguês pagava antes, recebia uma comanda, entrava em qualquer uma das filas, o copeiro pegava a comanda, entregava o prato em menos de um minuto, o cara comia rapidinho, pois havia alguém respirando na sua nuca, e tchau. O que interessa a esta crônica não é a alta rotatividade do balcão, em harmonia com a dos hotéis da região, mas o fato de que se comia de pé.

O homem é um animal que come e bebe sentado, raridade entre as espécies. E gosta tanto da posição, para qualquer atividade, que inventou ao longo da sua história uma infinidade de assentos: cadeiras, bancos, arquibancadas, poltronas, sofás, tronos e até, perdão pela lembrança, vasos sanitários.

O homem é um animal que come e bebe sentado, raridade entre as espécies. E gosta tanto da posição, para qualquer atividade, que inventou ao longo da sua história uma infinidade de assentos: cadeiras, bancos, arquibancadas, poltronas, sofás, tronos e até, perdão pela lembrança, vasos sanitários.

Outro dia li numa entrevista de uma escritora brasileira, moderna, que ela gosta de escrever em pé, em uma mesinha alta, dessas de boteco. Antes dela eu só tinha ouvido falar de Ernest Hemingway, que escrevia de pé e de madrugada, no seu estúdio de frente para o mar, em Cuba. Assim ele fez O Velho e o Mar. Para surpresa minha, conta-me meu genro, advogado de atuação internacional, que essa novidade de trabalhar em pé é uma tendência em escritórios de advocacia de Nova York e já tem adeptos no Brasil. Existem até móveis especiais no mercado. O tampo da mesa, de altura normal, com uma simples manobra eleva-se para o trabalho de pé. Acredita-se que isso descansa a coluna, melhora a postura, evita barriga e varizes e irriga melhor o cérebro.

Nos shows, duas novidades bípedes: os comediantes do estilo stand-up, que contam piadas de pé no palco em desempenho- solo a um público de riso fácil, e os modernos espetáculos de rock para multidões jovens de pé em grandes áreas descampadas, como o Lollapalooza e congêneres. Na contraonda, os torcedores de futebol que antes bagunçavam de pé na geral foram arrumados em cadeiras.

A parte mais visível do movimento bípede na cidade são os botecos stand-up, em cujos arredores a freguesia jovem se espalha bebendo cerveja em pé, comendo quase nada e dividindo o baseadinho da paz. Ocupam as calçadas, depois metade da rua e finalmente a rua. Não é pouca gente, são centenas em cada boteco, meninos e meninas, e são vários botecos próximos, em vários bairros, na frente da PUC em Perdizes, na frente da Uninove na Barra Funda, na frente do Mackenzie na Maria Antônia, na Vila Madalena, em Santana, na happy hour do centrão, muitos mais.

Será que passa? Talvez, como passou o Salada Paulista.

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