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OLÁ,

Brincar de estátua

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 16 mar 2018, 06h00 - Publicado em 16 mar 2018, 06h00
 (Attílio/Veja SP)
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A figura está lá, paradona. Você olha, dá aquele sorriso maroto e já estica o bração para a selfie. No Rio de Janeiro, poucos resistem a tirar uma foto ao lado de Clarice Lispector, Tom Jobim, Dorival Caymmi ou Carlos Drummond de Andrade, todos devidamente convertidos em estátuas de bronze.

Se Tom Jobim encara Ipanema e Caymmi aparece em Copacabana vestindo uma bata muito esquisita, Drummond volta e meia tem os óculos surrupiados por criaturas mais chegadas ao vandalismo do que aos versos do poeta. O fascínio pelas estátuas de grandes artistas não se limita ao Rio.

Em Salvador, os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai foram instalados, ao lado de seu cachorrinho, no Largo de Santana, no Rio Vermelho — bairro onde o casal morou por mais de quarenta anos. No centro histórico de João Pessoa, o genial músico Jackson do Pandeiro sorri e parece tocar o instrumento que lhe deu fama, convidando os turistas a fingir uma parceria na foto.

Belo Horizonte, celeiro de grandes escritores, celebrou alguns em diversas estátuas. Tem Pedro Nava, Drummond de novo, Fernando Sabino e outros espalhados pelo centro. E todo amigo que visita Lisboa traz na bagagem uma foto ao lado do poeta Fernando Pessoa, eternizado numa mesa em frente ao Café A Brasileira.

Pode-se brincar de estátua em muitos lugares, menos em São Paulo. A minha memória — e a de alguns amigos consultados — não registra nenhuma estátua em homenagem a grandes conterrâneos paulistas, além das honrarias oficiais. O Google também passa batido e só registra monumentos, como o de Carlos Gomes e o de Giuseppe Verdi, na Praça Ramos de Azevedo. Imagens lúdicas, que despertam um sorriso nos vivos, não há.

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De onde vem esse pouco-caso? Não é por falta de artista paulistano ilustre. Se o tema é escritor, dava para montar um pequeno desfile de celebridades no Largo São Francisco. O poeta Castro Alves, o romancista José de Alencar e o pintor Di Cavalcanti cursaram direito nas famosas arcadas. A escritora Lygia Fagundes Telles também — sim, ela está viva, mas justamente por isso é que mereceria ser homenageada.

Adoniran Barbosa poderia ser clonado e levado ao Bixiga, ao Brás e ao Jaçanã, onde — dizem — nunca botou os pés. Paulo Vanzolini, embora tenha atuado no Museu de Zoologia durante anos, mereceria uma estátua em eterna ronda na Avenida São João. A roqueira Rita Lee, outra viva, ficaria no encontro da Rua Heitor Penteado com a Avenida Pompeia. Bem ali começa o bairro que foi berço de tantas bandas do rock brasileiro.

Seria divertido ter uma experiência interativa com as estátuas dos pintores Alfredo Volpi ou Tarsila do Amaral, flagrados em pleno ofício. A Avenida Paulista poderia abrigar, em gestos necessariamente dramáticos, o ator Paulo Autran e a atriz Cacilda Becker. Ele morou ali perto, e ela, na própria avenida.

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O escritor que daria mais trabalho, certamente, seria o poeta Mário de Andrade. A pedido do próprio, teríamos de colocar o coração no Pátio do Colégio, os ouvidos na Praça do Correio e os olhos no Pico do Jaraguá. Seria muito esquisita a selfie com o autor de Macunaíma.

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