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“Importados”, militantes se revezam em acampamento na Câmara

Integrantes do MTST completam 24 horas em frente ao Legislativo municipal, onde prometem ficar até a aprovação do Plano Diretor 

Por Nataly Costa (Colaborou Marcus Oliveira)
Atualizado em 1 jun 2017, 17h18 - Publicado em 25 jun 2014, 20h38
Claudia Garcez - MTST
Claudia Garcez - MTST (Nataly Costa/)
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A ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no Viaduto Jacareí, em frente à Câmara Municipal, completa 24 horas na tarde desta quarta (25). Eles prometem ficar no mínimo até sexta-feira, quando, acreditam, será votado o Plano Diretor da cidade. Enquanto isso não acontece, a militância continua com o mesmo esquema de organização visto nos demais assentamentos do grupo na capital paulista. Contam ainda com a benevolência de alguns vereadores – o presidente da Casa, José Américo (PT), e o relator do Plano Diretor, Nabil Bonduki (PT), deram aos manifestantes a senha do wi-fi da Câmara.

Organização

Todos os manifestantes que estão na porta do Legislativo municipal vêm de outros assentamentos do MTST na Região Metropolitana, como o Copa do Povo (Itaquera), o Nova Palestina (M Boi Mirim), o Faixa de Gaza (Paraisópolis) e o Dona Déda (Taboão da Serra).

Os líderes da ocupação-relâmpago na Câmara também foram “importados” desses locais, e são eles quem garantem uma organização rigorosa. A limpeza é feita por dois grupos. Outros se revezam na cozinha, de onde saem as três refeições com alimentos comprados pelos acampados ou provenientes de doações. O almoço nesta quarta (25) foi simples: arroz e feijão. Para beber, água.

Fiscais fazem uma “ronda” para saber se todo mundo se alimentou e ficam de olho no comportamento: ninguém pode beber nem brigar dentro do MTST.

Cada militante trouxe sua barraca de camping ou sua lona preta. Um banheiro improvisado com o material plástico foi montado no Viaduto Jacareí. As mulheres têm prioridade. Os policiais que guardam a porta da Câmara distribuem senhas para que, um por vez, os manifestantes usem as toaletes da Casa. Na hora do banho, recorrem a vizinhos do prédio ou voltam aos acampamentos de origem.

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Aproximadamente 1 000 pessoas estiveram no protesto de ontem, mas, dos que decidiram ficar por ali, nem todos precisam dormir na frente da Câmara. Precisam, sim, passar ao menos uma parte do dia: manhã ou noite. Quem trabalha, escolhe ficar no período noturno. Os que têm filhos, preferem a luz do sol. Os líderes de cada grupo precisam estar a postos 24 horas.

 

Os acampados

A vendedora Claudia Rosana Garcez, de 37 anos, mora em uma casa em Itaquera, em frente ao terreno da ocupação Copa do Povo, que conta com cerca de 8 000 moradores. “Fiquei assustada quando chegaram, achei que ia se formar uma favela ali, mas não. Fui me inteirar sobre o movimento e resolvi me juntar a eles”, conta. Há dois meses, ela se reveza entre sua casa e o barraco de lona montado na ocupação. “O aluguel é muito pesado para mim, mas não posso abandonar minha casa agora, tenho um filho de 14 anos.” Viúva há três anos, Claudia ganha 1 000 reais de pensão do marido e gasta metade com aluguel. Complementa a renda vendendo cosméticos de porta em porta.

Daniel e Drielle - MTST
Daniel e Drielle – MTST ()
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O ajudante de pedreiro Daniel Souza Ferreira, de 37 anos, sofreu um acidente de trabalho e rompeu os ligamentos do joelho. Ainda recebendo auxílio-doença, foi demitido da empresa em que trabalhava há cerca de um ano. Morava em um barraco às margens de um córrego no M’Boi-Mirim, Zona Sul da capital, que transbordava todo verão. “

A gente perdia tudo. Geladeira, sofá. Uma hora, tivemos que sair”, afirma. Há sete meses, foi morar na Nova Palestina, uma das primeiras dessa leva de grandes ocupações do MTST. Logo, Daniel virou coordenador do G16 – um dos 21 grupos de moradores do acampamento.

Tanto na Nova Palestina quanto na Câmara, Daniel é um dos “fiscais”. Circula para garantir que todos cumprem com suas obrigações, como a limpeza, e para que não haja desentendimentos entre integrantes de diferentes ocupações. Para a tarefa, tem a ajuda da mulher, Drielle, mas não traz os três filhos para o movimento. “Deixo na casa da minha sogra.”

Euclides - MTST
Euclides – MTST ()
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O autônomo Euclides Carlos da Silva, de 37 anos, morava com os pais, a mulher, Mônica, e a filha, Júlia, de cinco anos, em uma casa de dois cômodos na Cidade A.E Carvalho, Zona Leste. Há um mês, engajou-se na causa do MTST e levou a família para a Copa do Povo, em Itaquera, porque afirma não ter condições de pagar aluguel. “Tudo é muito caro para gente”, diz. Mônica cozinha pamonhas e Euclides, com a ajuda de Júlia, vende o alimento pelas ruas da cidade a 2,50 a unidade. “Não é o suficiente para conseguir pagar uma moradia digna para a minha família.”

Erica Britto - MTST
Erica Britto – MTST ()

A um ano de completar o Ensino Médio, Erica Aparecida de Brito, de 27 anos, largou os estudos para fazer um curso profissionalizante e conseguir um emprego. Trabalhava como copeira em um escritório e pagava 520 reais de aluguel no Campo Limpo, Zona Sul da capital.

Por achar o valor muito alto, entrou para o MTST e se mudou para o acampamento Dona Déda, no mesmo bairro. Acabou perdendo o emprego porque, para o patrão, o trabalho no escritório era incompatível com a milit��ncia. “Fui demitida porque o movimento exige muito. Exige isso aqui que você está vendo [Erica estava deitada em um colchão na calçada da Câmara, onde dormiu]. É difícil, massacrante. Mas não me arrependo. Meu patrão tem apartamento, casa na praia. Não tenho nada, tenho que lutar.”

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Articulada, ela dá uma aula de Plano Diretor para quem quiser ouvir. “A votação ocorre em três fases. É um plano que é desenvolvido a cada dez anos e contempla o desenvolvimento urbano da cidade”, explica. “Quer dizer, uma coisa que acontece só de dez em dez anos e, na véspera da votação, a gente tem que ficar aqui de vigília para garantir que eles façam o trabalho deles.”

Cozinheira MTST
Cozinheira MTST ()

Sueli Tomaz trocou a casa que alugava em Guaianases, no extremo Leste da cidade, por tendas de plástico em acampamentos do MTST. A adesão da cuidadora de idosos de 47 anos ao grupo aconteceu há um ano e meio, após uma invasão em um terreno nas proximidades de sua casa. Ela passou a frequentar algumas reuniões no local, convenceu-se a deixar de usar 700 reais que ganha de pensão para pagar o aluguel e engrossou o número de pessoas à procura de um teto na cidade.

Ela, que tem vivido na ocupação Copa do Povo, em Itaquera, é uma das cozinheiras do grupo, formado por cerca de 3 000 famílias. “Faço tudo com o maior amor e fico contente de ver que as pessoas comem bem e podem aguentar firme aqui”, comenta enquanto preparava o jantar em uma cozinha improvisada na primeira noite no Viaduto Jacareí.

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Apenas naquele dia, ela já havia feito cerca de 10 quilos de arroz, 4 quilos de feijão, cerca de dez pacotes de macarrão e já esquentava a panela para fazer o molho que acompanharia os 10 quilos de salsicha. Rotina que ela considera tranquila. “Muita gente vem na cozinha dela, porque é a melhor comida do acampamento”, conta uma das sem-teto que passava por lá.

Orgulhosa da fama que suas “quentinhas” receberam no grupo, Sueli faz parte de um time formado por outras sete cozinheiras responsáveis pela alimentação dos acampados na Copa do Povo. “Fico feliz que o pessoal vem procurar a minha comida. Acho que deve ser boa, né?”, revela sorrindo e provando o tempero do feijão que em breve seria servido.

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