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“Melhor do que as cotas seria a ‘nova meritocracia’”, declara Fabio Spina

Com experiência em megaempresas, o advogado e membro do Observatório dos Direitos Humanos do Judiciário tenta recriar as fórmulas de inclusão corporativa

Por pppedroccc
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h32 - Publicado em 16 set 2022, 06h00
Fabio Spina posa de braços cruzados
Spina: “Clima tenso e polarizado no empresariado” (Clayton Vieira/Veja SP)
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O advogado paulistano Fabio Spina, 49, viveu ombro a ombro com ícones do capitalismo brasileiro em sua trajetória profissional. Serviu como alto executivo para empresários como Jorge Paulo Lemann (na Bélgica e nos Estados Unidos), Benjamin Steinbruch (da CSN) e Roger Agnelli (ex-presidente da Vale, morto em um acidente em 2016, de quem foi sócio).

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Hoje, comanda as áreas jurídica e institucional da Gerdau, que teve vendas de 78,3 bilhões de reais no ano passado. Membro do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, Spina luta pela inclusão de negros, mulheres e LGBTQIAP+ nas empresas, mas aposta em fórmulas que vão além das cotas.

Como define o atual estado de ânimos na elite do empresariado?

O ambiente está polarizado, o que não é legal. O ideal era que buscassem consensos. Todos querem melhorar o Brasil. Deveriam buscar convergências, não se dividir. O mesmo acirramento que existe na sociedade tem ocorrido no empresariado. O clima está um pouco tenso.

Você é parte do Observatório dos Direitos Humanos do Judiciário. O STF por vezes é acusado de fazer “ativismo judicial” nesse tema. Concorda com a crítica?

São pontos de vista… Veja, por exemplo, a criminalização da homofobia (decidida pelo STF). É uma tese obviamente correta. Por que o preconceito de raça ou religião é crime, mas a homofobia não seria? O Congresso travou a pauta, mas existe a Constituição, que diz que todos são iguais perante as leis. Então o STF pode tomar decisões assim. Não é legislar, é aplicar um princípio constitucional que era desrespeitado.

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A questão das cotas raciais nas empresas privadas também provoca controvérsia. É a favor dessas cotas?

O que defendo é algo que chamo de “nova meritocracia”. Você simplesmente separar 20% das vagas para negros, por exemplo, pode ser ruim para os dois lados.

O que fazemos (nas áreas que comanda da Gerdau) é o seguinte: nós criamos um programa de estágio só para negros. Trazemos as pessoas, mesmo se não estiverem prontas para competir pelas vagas. Damos um ou dois anos de treinamento. Quando estão prontas para competir de forma equiparada, vale a meritocracia: a gente coloca para competir e o melhor vai levar a vaga.

Qual o erro da “velha meritocracia”?

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Trabalhei em várias grandes empresas. Vi muitas vezes ambientes homofóbicos, racistas, discriminatórios com as mulheres… É evidente que nem todo mundo tem a mesma oportunidade. É preciso dar uma força para alguns grupos.

Mas, se você apenas coloca as pessoas para dentro da empresa, pode ter o que chamo de diversidade sem inclusão. É como convidar alguém para uma festa, mas a pessoa não se sentar à mesa. O ideal é dar esses treinamentos no início da “cadeia alimentar” empresarial.

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A “nova meritocracia” tem funcionado na prática?

Fizemos programas que tiveram entre setenta e 100 estagiários para receber as qualificações. Pagamos cursos de inglês, de Excel… Nas áreas que comando (por volta de oitenta funcionários), mesmo sem as cotas tradicionais, temos 70% de mulheres, metade dos cargos de liderança ocupada por mulheres, negro em posição de chefia, vários negros subindo de cargo, uns 10% da equipe são LGBT+ e contratamos a primeira advogada trans.

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Mas não é uma solução apenas para empresas grandes, que podem investir nessas qualificações?

Mesmo uma empresa de vinte pessoas pode fazer algo similar. Pega um Jovem Aprendiz e paga uma qualificação. Esses dias vi um pequeno escritório de direito que pagou as qualificações para um motorista negro e ele se tornou um dos melhores advogados da firma. Não são grandes programas, mas podem mudar muita coisa.

“Vi muita discriminação a mulheres, negros e pessoas LGBTQIAP+.
O resultado (das políticas de inclusão)é mínimo.
A presença de negros na Faria Lima é mínima”

Que outros comportamentos discriminatórios já presenciou no mundo empresarial?

Vi reuniões em que uma pessoa acabou de dar uma ótima opinião e alguém vira para você e diz: “Ah, mas é viado”. Vi pessoas não subirem na carreia. Muitas vezes, vi caras serem demitidos porque eram mais delicados, e não era o caso de demissão. São chefias que não aceitam coisas novas.

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O mundo empresarial está longe de ter avançado nessas questões como se imaginava que aconteceria. O resultado (de anos de políticas e discursos de inclusão) foi mínimo no universo corporativo. A presença de negros em cargos de liderança na Faria Lima é mínima. Se fala muito e se faz pouco.

Agora a moda são as políticas ESG. Há também muito discurso vazio sobre esse tema nas empresas?

Ah, muita bobagem. Mais rápido que a velocidade da luz, somente a velocidade que as pessoas se tornaram especialistas em ESG (risos). Muito disso é discurso vazio.

Acho que as empresas funcionam por pressão, principalmente econômica. Quando os investidores deixarem de colocar dinheiro porque elas não respeitam certos índices, aí as coisas vão se adequar. Ninguém sai da zona de conforto apenas por boas intenções. Até acontece, mas são agulhas no
palheiro.

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Agora, por outro lado, o dinheiro chinês, russo ou do Oriente Médio vai ter essa preocupação também? Ou serão só os fundos americanos e europeus?

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Você sempre morou e trabalhava no entorno da Faria Lima. A região mudou após a pandemia?

Na pandemia, achei que a gente nunca mais teria aquele trânsito horrível na Faria Lima, porque as pessoas iriam fazer home office. Me enganei redondamente: o trânsito voltou e está pior que antes.

E veja a quantidade de lançamentos imobiliários no entorno. Na Avenida Rebouças, são três ou quatro por quarteirão. Você pode até assumir que parte dos moradores vá usar transporte público, mas não serão todos. Vai piorar.

O home office deixou de acontecer?

Não. Mas acho que, no Brasil, a gente ter só São Paulo como grande centro econômico é ruim. Deveria ter mais disso no Rio, em Belo Horizonte. Todo mundo quer vir para São Paulo, não é sustentável.

Veja nos Estados Unidos, que também são um país continental, a quantidade de polos de atração: Austin, Miami, Califórnia… Imagina se todo mudo fosse para Nova York. Uma hora acontece como na Cidade do México: trava tudo.

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Publicado em VEJA São Paulo de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807

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