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Cortesia em crise

Mamãe defendia regras sólidas de educação. Em uma visita, se a dona da casa oferecesse café com bolo, não podia comer muito. – Experimente só um pedacinho! – avisava mamãe. Eu ficava de olho espichado para o doce enquanto a dona da casa insistia: – Quer mais? – Não, obrigado. – Não gostou? Continua após […]

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18
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  • Mamãe defendia regras sólidas de educação. Em uma visita, se a dona da casa oferecesse café com bolo, não podia comer muito.

    – Experimente só um pedacinho! – avisava mamãe.

    Eu ficava de olho espichado para o doce enquanto a dona da casa insistia:

    – Quer mais?

    – Não, obrigado.

    – Não gostou?

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    – Gostei, sim senhora!

    Sentia o olhar materno faiscando. Aceitava mais um. Depois ouvia:

    – Ela vai achar que você é fominha!

    Havia regras excessivas. Mas hoje tenho a impressão de que boa parte das pessoas não aprendeu uma sequer. É comum estar conversando quando toca o celular da outra pessoa. Ela inicia um longo papo. Permaneço com cara de paisagem, enquanto a pessoa fala, fala, fala! Acho uma tremenda falta de gentileza.

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    Outra questão é a do horário em espetáculos. Muita gente acha normal atrasar. O ator Antônio Fagundes proíbe o ingresso depois das portas fechadas. Há quem fique revoltadíssimo. E quem foi pontual é obrigado a suportar o barulho do relapso entrando e procurando o lugar no escuro? Há algum tempo dei uma palestra em uma grande universidade. Durante todo o tempo os alunos entravam e saíam, batiam a porta, faziam barulho. E me desconcentraram totalmente. Pensei: “Que falta de educação! E são universitários!”. Na palestra seguinte, impus duas condições: atrasados não entravam, quem saísse não voltava. Virei o “chato”. Ótimo. Melhor ser chato do que mandar flores e não receber nem um telefonema de agradecimento, como sempre me acontece. Já cansei de enviar buquês, bombons, panetones e não merecer nem um alô. Sou tonto. Imaginava alguma falha na entrega. Perguntava se a pessoa havia recebido, para ouvir:

    – Ah, é, obrigado.

    E o inconveniente que vê duas outras conversando? Senta-se na mesa e começa:

    – Lembra-se de mim?

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    Não pergunta se está interrompendo. Desfia a própria biografia sem pausa para respirar. Finalmente, levanta-se:

    – Estou indo. Vocês estão bem, não estão? Até mais.

    Parte após ter devorado o couvert!

    Atores e produtores muitas vezes me encomendam peças teatrais. No início eu me entusiasmava. Agora só me sento ao computador se houver insistência. Muitos nunca mais tocam no assunto, mesmo que eu tenha trabalhado semanas em uma idéia. Já trabalhei como doido até em fim de semana para depois ouvir:

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    – Ainda não tive tempo de ler!

    Em outras áreas, também vi vários casos de pessoas que dão o toque para um trabalho, o outro se entusiasma e às vezes não recebe nem um telefonema de volta. No cotidiano, a falta de educação é a regra: as pessoas furam fila descaradamente, deixam a porta do elevador fechar no meu nariz, não respondem a um “boa tarde” quando me sento no avião a seu lado. As boas maneiras têm sido esquecidas até no que se refere à vida financeira. Já emprestei dinheiro a amigos que não me pagam nem nunca mais fazem referência ao assunto. Fico sem jeito em falar de grana, mas acabo dando um toque tímido. E já ouvi:

    – Não paguei porque você não está precisando.

    Pode haver maior falta de cortesia? Não honra o compromisso e ainda dá a entender que nem tenho o direito de receber, como se eu fosse um pão-duro ávido por cada centavo? Reajo:

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    – Pensei que era um empréstimo, não um projeto de justiça social.

    O devedor fica mal-humorado e pára de falar comigo. É o cúmulo! Não é preciso ser formal, exagerado. Mas seria bem mais agradável ter de volta um pouco da antiga cortesia, e que as pessoas redescobrissem o valor da gentileza.

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