Fundada em 1949, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, foi um modelo de profissionalização para a produção cinematográfica brasileira. Esteve à frente de quarenta filmes, entre eles, títulos memoráveis como Tico-Tico no Fubá (1952) e O Cangaceiro (1953), além da telenovela Sinhá Moça (1953). Passaram por ali artistas como Mazzaropi, Paulo Autran e Tônia Carrero, além dos diretores Lima Barreto e Ugo Lombardi, até seu fechamento, em 1975.
Este ano, o local completa 63 anos em desuso quase total. À exceção de poucas cenas de Carandiru (2003) e Lula, o Filho do Brasil (2010), os estúdios não servem de pano de fundo para longa-metragens desde 1954.
A situação parecia mudar quando, em 2015, a prefeitura de São Bernardo do Campo anunciou que havia firmado um contrato com a companhia Telem (Técnica Eletro Mecânica) para reativar os lendários estúdios. Segundo o edital, a empresa teria direito à concessão pelos próximos trinta anos e deveria investir no local 156 milhões de reais ao longo de cinco anos.
O projeto apresentado à Secretaria de Educação e Cultura previa a instalação de sete estúdios, salas de produção, auditório, cinema e estacionamento, além do Memorial da Companhia Vera Cruz.
As obras de revitalização deveriam ter começado em agosto de 2015 mas, até agora, o local continua de portas fechadas, sem nenhum indício de reforma.
O não-cumprimento do acordo fez com que a Procuradoria Geral de São Bernardo do Campo sugerisse à prefeitura rescindir o contrato com a Telem no último dia 15. Por lei, a empresa tem dez dias úteis para preparar a defesa.
“Vencido esse prazo, abriremos um chamamento público para emissoras de televisão e distribuidoras de filme assumirem a direção dos estúdios”, prometeu o prefeito Orlando Morando em entrevista a VEJA São Paulo. “Essa concessão foi nociva para a cidade”, completou ele.
Nos últimos anos, os galpões cinematográficos estavam sendo utilizados pela Telem como pavilhões para feiras, eventos comerciais e até festivais de música sertaneja. “Isso descaracteriza completamente o espaço, que tem muito valor histórico para o ABC Paulista”, criticou o prefeito.
Procurada, a Telem disse que prefere não se manifestar sobre o assunto.
Escola em crise: aulas paralisadas e professores demitidos
Além da revitalização dos estúdios Vera Cruz, a Telem assumiu em 2015 a responsabilidade de gerir o Centro Audiovisual (CAV), uma escola profissionalizante de cinema, televisão e animação gratuita, que deveria ser instalada no complexo.
“Quando soubemos que a escola seria anexada aos estúdios, comemoramos muito”, comenta Mariana França, ex-aluna do CAV. “É um custo alto gerir uma escola de cinema. Pensamos que, com recursos particulares, teríamos uma infraestrutura melhor do que a prefeitura conseguia oferecer àquela altura”.
Naquele ano, os professores – contratados como pessoas jurídicas – começaram a ter salários atrasados. Apesar de algumas greves e tentativas de negociação, a situação seguiu até o início de março desde ano, quando a empresa reuniu os vinte docentes e funcionários do CAV para comunicar a demissão coletiva.
O processo seletivo – programado para acontecer no dia 11 de fevereiro, com mais de 1 000 inscritos – foi cancelado, e as aulas estão paralisadas.
O prefeito Orlando Morando garantiu que os alunos voltarão às salas de aula dentro de sessenta dias. A partir da rescisão oficial do contrato com a Telem, o CAV passa a ser gerido pela Secretaria de Educação e Cultura, que fará a recontratação dos antigos professores e, se necessário, de novos profissionais. “Os salários atrasados, no entanto, são responsabilidade da Telem. A prefeitura não tem como assumir uma dívida que não é nossa”, disse ele.
Com a mudança nos planos, o Centro Audiovisual continua instalado no Centro de Formação dos Profissionais da Educação Ruth Cardoso (Cenforpe), onde está desde a inauguração, em 2012.
Propriedade da Secretaria de Educação e Cultura, o prédio tem rachaduras aparentes e buracos no gesso. Alguns estudantes denunciaram, inclusive, que algumas salas estão interditadas devido a infiltrações.
Questionada, a prefeitura negou os problemas na estrutura e garantiu que o local está em “perfeitas condições” e disse que, em dezembro, a escola passou por reformas custeadas pela Secretaria de Educação e Cultura.