Faz seis meses que tem sido impossível dormir sossegado nos arredores do número 70 da Rua Apinajés, nas Perdizes. Caminhões descarregando materiais como aço e cimento, britadeiras funcionando a todo o vapor e portões abrindo e fechando estrondosamente têm tirado o sono dos moradores. A agravante é que toda essa confusão acontece tarde da noite e, muitas vezes, estende-se pela madrugada. “Parece que a britadeira está na minha sala”, resume Evelyn da Silva, moradora do 1º andar do prédio em frente à obra, onde funcionará um sacolão de frutas e verduras. Quem está nos pisos mais altos também sofre. A bancária Renata Alabi, que vive no 8º andar com o marido, Bruno Buzzoni, e o filho de 4 anos, Luigi, cogita instalar uma janela antirruído para ver se o problema diminui. “Os vidros não podem ficar abertos por causa da poeira e do barulho. Eles trabalham até altas horas e às 7 da manhã já estão na ativa novamente”, diz.
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A reclamação não se resume apenas ao Edifício Bianchi, onde moram as vizinhas. Com o aumento das obras na cidade — só no ano passado foram contabilizados 37.650 novos empreendimentos residenciais, 46% a mais que em 2006 —, infla também o número de incomodados com problemas relacionados a esses empreendimentos. Marcelo Teixeira, engenheiro responsável pela Construtora CPD, que cuida da obra do sacolão próximo ao condomínio, vê nas leis de zoneamento um dos motivos do transtorno. “A construção fica em uma região onde caminhão não entra até as 21 horas, e eles não podem circular nas marginais até as 22. Muitas vezes, os motoristas não têm apenas uma entrega para fazer. Precisamos esperá-los chegar, e geralmente isso acontece mais tarde mesmo”, lamenta.
Nos casos de barulho, acionar o Programa de Silêncio Urbano (Psiu) se mostra a melhor saída para tentar dormir em paz. No ano passado, cerca de 2.500 denúncias referentes a obras foram encaminhadas para lá. Em zonas residenciais, das 22 às 7 horas, o máximo de volume permitido é de 45 decibéis (algo como um telefone tocando); durante o dia, essa média sobe para 50 decibéis. As multas variam de acordo com o tamanho do terreno: um espigão instalado em um espaço de 15.000 metros quadrados, por exemplo, pode ser penalizado em 44.000 reais. As queixas só podem levar a um embargo após duas autuações. “Costumamos vistoriar o local aproximadamente uma semana após a reclamação”, afirma Alfonso Orlandi Neto, supervisor-geral de uso e ocupação do solo da secretaria das subprefeituras.
“Com frequência, porém, acontece de o barulho não ocorrer no momento da nossa visita, e não há o que fazer nesses casos.” Por causa da demora, muita gente prefere apelar logo para a PM. “Conseguimos acabar com a perturbação de sossego de imediato, mas não podemos aplicar autuações nem interditar estabelecimentos”, explica Cleodato Moisés, capitão do comando do policiamento. No ano passado, foram registradas cerca de 52.000 ligações com esse tipo de queixa (veja o quadro no final).
Ruídos insuportáveis fora de hora se mostram apenas um dos itens de uma extensa lista de incômodos que também inclui poeira, rachaduras e alagamentos. O anestesista Cláudio Luiz Mauro sabe bem quanto stress a situação pode causar. Desde 2008, ele briga na Justiça contra a construtora Cyrela, que ergueu um prédio atrás de sua casa no Campo Belo. Junto com a obra vieram as dores de cabeça. Sofreu com um muro despencado, problemas na rede de esgoto e um telhado comprometido. “Gastei com advogados e fiquei doente por causa disso. Até hoje alguns dos problemas não cessaram”, conta. Em nota, a empresa afirma que os reparos solicitados estão sendo atendidos e em fase de conclusão.
Por ser difícil comprovar a poluição sonora ou pela demora da prefeitura e da Justiça, muitas pessoas acabam desistindo de levar adiante as reclamações. Fazer-se notado é fundamental. “A prioridade das empresas é construir, e não ser boazinhas com o vizinho”, afirma Marcelo de Almeida, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB de São Paulo. “Se ele começa a dar dor de cabeça para a construtora, há uma maior tendência de resolução.” Algumas empreiteiras elaboraram projetos para tentar evitar transtornos. A Rossi, por exemplo, manda material explicativo com as eventuais mudanças, além de manter um canal de contato direto. No caso da Brookfield, o engenheiro responsável fica encarregado de mediar os conflitos. Apesar de iniciativas como essas, a evolução da cidade não tem previsão de parada. Assim como os incômodos dos vizinhos.
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A QUEM APELAR?
É possível tentar resolver os incômodos por meio de seis canais
Polícia Militar (Telefone: 190)
Os policiais recebem denúncias de perturbação do sossego. É ideal para sanar o problema de imediato, mas sem garantia de que futuras ocorrências serão evitadas
Psiu (Telefone: 156)
Cerca de uma semana após a queixa é agendada uma vistoria do local. O órgão municipal tem o poder de autuar e até embargar uma obra, desde que haja flagrante
Ouvidoria (Telefone: 0800-175717)
Se o caso não for solucionado a contento pelo Psiu, pode-se entrar em contato com a ouvidoria da prefeitura
Construtora
No caso de questões estruturais, deve-se mandar carta ou e-mail (para que fique registrado o contato), propondo um prazo para os reparos. Geralmente, as partes chegam a um acordo
Câmara de Mediação do Sindicato da Habitação (Telefone: 5591-1214)
O Secovi promove sessões lideradas por mediadores entre a vítima e o causador do problema. O registro da ocorrência custa 200 reais
Justiça
É recomendável em último caso. Contratar um advogado pode ser custoso e o processo costuma se alongar por anos
O VIZINHO QUE NINGUÉM QUER
Evolução das novas unidades residenciais na capital:
2006: 25.689
2007: 38.990
2008: 34.475
2009: 31.584
2010: 38.199
2011: 37.650
Quantidade de reclamações dos vizinhos:
9% das queixas encaminhadas ao Psiu no ano passado eram referentes a obras
52.000 foi o total aproximado de ligações que a Polícia Militar recebeu em 2011 relacionadas a barulho em postos de gasolina e construções
Fontes: Secovi-SP, Embraesp, Polícia Militar e Psiu