Imagine morar em um apartamento de cinema, avaliado em 5 milhões de reais, com uma área de 850 metros quadrados, cinco suítes (uma delas master, com direito a dois banheiros), piso de mármore e lareira. Melhor ainda: pagar um aluguel de “apenas” 4 000 reais por mês. O imóvel dos sonhos, localizado no Panamby, na Zona Sul, tem vaga para oito carros e até piscina privativa. Pode parecer tentador, não fosse um detalhe: a taxa do condomínio é de 14 000 reais mensais.
Para aliviarem os custos de um imóvel fechado (o apartamento do exemplo acima está encalhado há mais de um ano) e se livrarem do prejuízo, muitos proprietários são obrigados a dar descontos generosos. A lógica é simples: a soma do combo aluguel, condomínio e IPTU não pode superar o montante que o locatário está disposto a pagar.
Dados do portal Imovelweb mostram que o Real Parque, vizinho ao Panamby, é o bairro paulistano com o maior número de casos em que o rateio das despesas do prédio é mais caro que a locação do imóvel: 8% dos anúncios (confira o ranking no final da reportagem). Assim que o boleto do condomínio encostou no valor do aluguel de um apartamento de 100 metros quadrados nos Jardins, há cerca de dois anos, o empresário Hélvio Martins, 68, precisou reduzir a pedida, então na casa de 3 000 reais mensais. “O último inquilino, que deixou o local em fevereiro passado, pagava 1 991 reais por mês”, diz ele. Ali, o condomínio está em 2 600 reais.
Estimativas da startup LAR, de administração de prédios residenciais, mostram que, a cada real de aumento no valor da cota mensal da edificação, o dono do imóvel precisa reduzir o aluguel entre 1,20 e 3,20 reais. Ou seja, a cada 100 reais de reajuste nos custos fixos, o proprietário deixa de cobrar em média 1 428 reais anuais. Não é só na hora de locar que o valor do condomínio pesa na negociação. Em transações de compra e venda, o custo mensal influi de maneira significativa no montante final. “Para cada 1 000 reais a mais na taxa condominial, há um impacto (para menos) de cerca de 130 000 no preço do imóvel”, afirma o diretor executivo da empresa Apê11, Marcelo Rosenburg.
Os condomínios subiram 5,16% entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 (o IGP-M no período ficou em 7,81%). Diante de cenários nada favoráveis a donos de apartamentos com taxas altas, especialistas apontam para uma mudança de paradigma. “Vão ter de promover a reestruturação do modelo, reinventar-se. Uma portaria com três turnos, folguistas e encargos custa entre 30 000 e 40 000 reais todos os meses. Os prédios menores são os que mais sofrem”, afirma o engenheiro civil Claudio Bernardes, presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi). “Em Madri e em Nova York, os edifícios não têm porteiros. É só apertar um botãozinho e esperar a autorização.”
Foi o que fez o prédio de oito andares e apenas dezesseis apartamentos administrado pelo dentista André Luiz Malfatti, 50, no Brooklin. Ele conseguiu a redução de 1 000 reais no valor mensal do condomínio após a implementação de um sistema de portaria remota, em outubro. A instalação dos equipamentos custou 80 000 reais (5 000 reais para cada condômino), parcelados em 36 vezes. “Estávamos com problemas de caixa, fizemos um rateio para demitir quatro funcionários e hoje cada unidade paga 2 000 reais por mês”, comemora.
Com doze andares e o mesmo número de apartamentos, o edifício em Moema onde mora a empresária Márcia Costa, 55, viu as despesas cair à metade desde que o condomínio reduziu de seis para dois o número de funcionários. Ali também foram contratados os serviços de portaria eletrônica. “Ficou ruim descer para pegar a pizza, mas entendo que o mundo mudou e eu me sinto muito mais protegida do que antes. Sem falar que o dinheiro do prédio começou a sobrar, reformamos até o elevador”, comemora. “Aviso pelo WhatsApp da empresa que estou chegando e alguém fica monitorando. Se um ladrão entra no prédio comigo, ele é observado pelas dezenove câmeras colocadas no edifício.”
A eliminação da portaria convencional para a instalação de um sistema remoto requer a aprovação em assembleia de moradores e não representa automaticamente economia a curto prazo. O retorno pode chegar em até trinta meses devido aos diversos encargos trabalhistas que recaem sobre a demissão dos funcionários. “Agora é hora de os prédios testarem novos modelos de administração de custos.
Edifícios parecidos e com estrutura de um por andar poderiam compartilhar serviços como jardinagem e limpeza. Um zelador poderia gerenciar quatro ou cinco prédios da mesma rua”, afirma Angélica Arbex, gerente de relacionamento da administradora de condomínios Lello. “As coisas não serão mais como eram antigamente. Todos os prédios com menos de trinta apartamentos têm ou terão no futuro condomínios impagáveis caso não reinventem a maneira de geri-los.”
De olho na relação condômino-condomínio, a startup Noknox, criada há dois anos e que atua em 120 prédios da metrópole, trabalha para arrancar os fios de um dos últimos equipamentos de comunicação não remota que costumamos ter em casa: o interfone. “Quando chega uma encomenda, alguém precisa avisar cada um dos moradores. Pela nossa plataforma, há redução do tempo e do custo para manter um funcionário exclusivo para fazer as ligações, principalmente em condomínios grandes”, afirma Joaquim Venancio, diretor da startup, que também faz o cadastro e a liberação de visitantes.
Os serviços custam a partir de 1,99 mensais por unidade. Agora, a empresa está de olho em segmentos menores, o dos predinhos que não possuem portaria. “As pessoas podem ter acesso à residência sem a necessidade de haver alguém lá para apertar o botão do interfone.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 18 de março de 2020, edição nº 2678.
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