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Com aval da Igreja, Nossa Senhora vira samba-enredo

Será um desfile bem comportado, sem a exibição de cenas de nudismo nem insinuações eróticas, como pediram bispos e padres

Por Estadão Conteúdo
Atualizado em 22 jan 2017, 10h53 - Publicado em 22 jan 2017, 10h40
Imagem de Nossa Senhora Aparecida vai desfilar no Sambódromo de São Paulo no samba-enredo da escola Unidos de Vila Maria  (Alex Silva/Estadão Conteúdo/)
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A imagem de Nossa Senhora Aparecida vai desfilar no sambódromo de São Paulo no samba-enredo da escola Unidos de Vila Maria com a bênção da Igreja Católica. Será um desfile bem comportado, sem a exibição de cenas de nudismo nem insinuações eróticas, como pediram bispos e padres, prontamente atendidos pelos carnavalescos.

A ala das baianas mostrará mulheres com fantasias da Padroeira do Brasil, uma Nossa Senhora Aparecida estilizada, atendendo a outro compromisso, o de não apresentar o fac-símile da santa pescada nas águas do Rio Paraíba. Não haverá também alusões a sincretismo religioso, como estatuetas de Iemanjá ou outros ícones de crenças da devoção popular.

Nada de censura, só o cuidado de evitar imprecisões no texto ou caricaturas na passarela que pudessem criar constrangimentos e irritações. Alguma coisa, por exemplo, que lembrasse o incidente do carnaval de 1989 no Rio, quando o cardeal Eugênio Sales proibiu o Cristo Redentor na avenida e o carnavalesco Joãosinho Trinta deu a volta por cima, cobrindo a estátua com um pano preto, em inconformado sinal de protesto.

“Nossa intenção era evitar qualquer choque com os católicos”, disse Marcelo Müller, diretor da Vila Maria responsável pelo levantamento histórico dos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, da pesca da imagem negra às comemorações neste ano do terceiro centenário.

“Fizemos o que o papa Francisco está pedindo, estamos evangelizando”, afirmou Sidnei França, o carnavalesco que, com base nos arquivos do Santuário de Aparecida, projetou os carros alegóricos e as fantasias, vendidas a R$ 400 e a R$ 450, para cerca de 3,5 mil figurantes. Artesãos, costureiras e escultores, 300 na quadra da escola no Jardim Novo Mundo e 50 no galpão da Fábrica do Samba, na Barra Funda, trabalham na confecção das alegorias. Algumas costureiras da quadra e os escultores comandados pelo diretor artístico Dalmo de Moraes, na Barra Funda, vieram de Parintins, no Amazonas.

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“Trabalho aqui e no Caprichoso, no Festival de Parintins”, disse Rachel Amaral, bordadeira católica, com militância na Renovação Carismática e em grupos de oração. A costureira Anália Terezinha Gomes arremata fantasias e coordena a ala infantil, de cem crianças, que este ano vão desfilar em cima de um carro alegórico. Ao lado de Marcelo Müller, que já foi presidente da Vila Maria, o vice-presidente Válter Belo, de 57 anos (43 deles na escola), supervisiona os preparativos finais nas oficinas. Amostras de fantasias em exposição reproduzem a moda do século 18, com vestidos longos, batinas e uniformes para quem quiser desfilar.

Missionários

Uma das alas presta homenagem aos missionários redentoristas, cujas fantasias incluem túnicas, mitras e báculos, que são usados por bispos. Os padres de Aparecida serão convidados para o desfile e, segundo o reitor do Santuário, padre João Batista de Almeida, devem aceitar o convite. “Tudo foi feito em sintonia com a Arquidiocese de São Paulo e o Santuário Nacional”, informa o reitor, responsável pelo dossiê de dados fornecidos à diretoria da escola de samba. O padre acredita que, se for convidado, o novo arcebispo de Aparecida, d. Orlando Brades, não se recusaria a ver o desfile no sambódromo.

“A letra do samba-enredo é uma oração”, disse padre João Batista. Em sua avaliação, a parceria da Unidos de Vila Maria com a Igreja Católica está no caminho certo, “pois se faz um carnaval fiel ao que é histórico”. É esta a opinião de padre Tarcísio Mesquita, coordenador do Vicariato da Pastoral da Arquidiocese de São Paulo. Os carnavalescos atenderam às sugestões dos padres, a começar pela substituição da palavra “adorar” por “venerar”. Foi uma alteração importante, observa padre Tarcísio, “porque veneramos, mas não adoramos Nossa Senhora, já que adoração é só para Deus”.

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O jornalista Rafael Alberto dos Santos, secretário do Vicariato de Comunicação, revelou que o cardeal-arcebispo d. Odilo Scherer desde o início, há dois anos, concordou com a homenagem. Rafael, padre Tarcísio e o reitor João Batista assistiram a vários ensaios e conferiram as fantasias.

Cinco carros alegóricos lembrarão a história de Nossa Senhora Aparecida e a devoção do povo brasileiro. Um deles levará à passarela uma maquete da Basílica-Santuário. Uma réplica da coroa doada à Padroeira do Brasil pela Princesa Isabel será um dos destaques. Cada região do Brasil será representada por uma escultura: um operário no Sudeste, um cangaceiro no Nordeste, um gaúcho no Sul, um índio no Norte e um político no Centro-Oeste.

A atriz Isabel Fillardis (ex-TV Globo) e a apresentadora Claudete Troiano (TV Aparecida) desfilarão como devotas. A madrinha da Unidos de Vila Maria, a terceira escola a entrar no sambódromo no dia 24, será a modelo Dani Bolina. “Dani não vai exagerar, não vai se expor”, previne o diretor Marcelo Müller. Até os índios vão usar fantasias colantes da cor da pele. As roupas serão discretas, sem modulação do corpo feminino, diz Rafael Alberto. Os representantes da Igreja acreditam que o samba da Vila Maria vai ajudar a derrubar preconceitos com o clero trabalhando junto com carnavalescos, em vez de só criticar.

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