Frequentada por cavalheiros de terno e damas vestidas pelas melhores modistas da década de 50, a antiga região da Cinelândia, no centro, hoje mais parece cenário de um desses filmes-catástrofe dos últimos tempos. Pelo menos sete das trinta salas de cinema que costumavam iluminar as avenidas São João e Ipiranga estão de portas fechadas. É o caso do Paissandu, Metrópole, Ipiranga, Comodoro, Arouche, Las Vegas e Copan. Em algumas delas, a fachada e a marquise imponentes viraram abrigo para mendigos em qualquer hora do dia. São pelo menos 5 500 poltronas sem uso, apenas acumulando pó. Projetado pelo arquiteto Rino Levi, o Cine Ipiranga, inaugurado em 1943 com o drama Seis Destinos, de Julien Duvivier, foi por três décadas uma das melhores salas da cidade e um orgulho dos paulistanos. “Era muito luxuoso, com uma entrada triunfal e concertos antes das sessões”, lembra, com saudade, o professor de cinema da Faap Máximo Barro, que batia cartão ali todo fim de semana. Hoje, as escadas para a bilheteria estão tomadas por caixas de verduras e frutas. O local encerrou as atividades em 2005 e virou depósito do hotel vizinho. “Até os assentos são originais”, afirma o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil. Ele estuda a proposta de desapropriá-lo para que tenha programação permanente e a preços populares.
Fernando Moraes
O Cine Paissandu, de 1958,convive atualmente com mendigos e pichações.Seu grande hall de entrada abriga afrescos e escadas de mármore
O caso do Ipiranga é apenas um exemplo da dificuldade de mudar um filme que o paulistano já está cansado de ver: o fechamento de salas do centro. “Não teríamos fôlego para recuperar todas elas”, diz Calil. “Mas tentamos atrair investimentos da iniciativa privada por meio de incentivos fiscais.” Em no – vembro, a secretaria encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei que isenta cinemas e teatros de rua do pagamento do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) a partir do ano que vem. A proposta ainda aguarda aprovação dos vereadores. Em vigor desde 2004, a lei atual prevê isenção apenas parcial e esbarra em contrapartidas difíceis de cumprir, como uma cota maior de filmes nacionais que a exigida pelo governo federal. “Por causa da burocracia, quase não foi utilizada.”
Fernando Moraes
Cine Copan: inaugurado em 1969, virou sede da Igreja Renascer em 2000 e permanece fechado desde março do ano passado por problemas de segurança
Esse não é o único entrave. Como alguns cinemas são tombados, caso do Ipiranga, Metrópole e Paissandu, é necessário atender a vários requisitos para restaurá-los e reabri-los. E isso toma tempo. Também protegido pelo patrimônio e reaberto em maio depois de ficar fechado desde 2007, o Marabá levou três anos para ter seu projeto de arquitetura aprovado. A reforma, prevista para durar quatro meses, alongou-se por mais meio ano devido a uma sé rie de detalhes exigidos pelo Departamento do Patrimônio His tórico (DPH). “Nos shoppings, consigo levantar um cinema em apenas seis meses”, afirma a presidente da PlayArte, Elda Bettin Coltro. Pelo aluguel do Marabá, na Avenida Ipiranga, ela desembolsa 50 000 reais por mês. “É mais do que pago em shoppings”, conta Elda. Outro risco é a degradação da região. “Apostar ali exige coragem e o retorno é incerto”, diz Adhemar Oliveira, dono do Espaço Unibanco. “É preciso dar incentivos para compensar a falta de segurança e de transporte, como foi feito em Paris na década de 80.”
Fernando Moraes
Cine Metrópole: depois de ficar trancado por onze anos, foi comprado pelos donos da boate The Week e pode virar um centro cultural e de eventos
A expectativa dos exibidores é que o Marabá assuma na Cinelândia o mesmo papel do Unibanco na revitalização da Rua Augusta, nos anos 90. Pode ser o estímulo que faltava para a Cinemark tirar da prancheta um antigo projeto para a revitalização do Cine Marrocos. Inaugurado em 1951 como o mais luxuoso de São Paulo, ele reabriu para eventos neste ano, depois de doze anos. Outro que deve mudar de vocação é o Cine Metrópole, na Praça Dom José Gaspar. Parado desde 1998, foi comprado há pouco mais de um ano pelos donos da casa noturna The Week, que pretendem transformá-lo num centro cultural e de eventos. Desde agosto, o projeto de reforma aguarda aprovação do DPH. Considerado o cinema com o melhor som da cidade, o Comodoro acabou destruído por um incêndio em 2000. O que resta hoje é apenas um terreno, à venda desde então. Já o Cine Copan, uma das sedes da igreja Renascer até o ano passado, está interditado desde março por falta de segurança e agora passa por reformas. O desfecho da história do Paissandu, Arouche e Las Vegas é mais incerto e nebuloso que o dos filmes de Alfred Hitchcock, que os elegantes de antigamente adoravam ver ali.