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OLÁ,

Maior e mais antiga escola para adultos atende quase 10 000 alunos

Mais de um terço dos adultos paulistanos não completou o ensino fundamental ou médio. A instituição Clara Mantelli é a esperança de obter um diploma tardio

Por Adriana Farias Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 fev 2020, 16h03 - Publicado em 25 Maio 2018, 06h00
Turma na oficina de inglês: promessa de três novas unidades na capital (Leo Martins/Veja SP)
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A cidade de São Paulo tem mais de um terço de adultos que não terminaram o ensino fundamental ou o médio, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no dia 18 pelo IBGE. Essa alta demanda se reflete nos corredores cheios do Centro Estadual de Educação para Jovens e Adultos (Ceeja) Dona Clara Mantelli, o maior e mais antigo da capital.

Instalada desde 1977 no Belém, na Zona Leste, a instituição possui 9 750 alunos, distribui 3 toneladas de livros e serve 700 refeições diárias. Mas há apenas 32 professores e uma fila de 10 000 pessoas à espera de uma vaga. Esse foi o único Ceeja da cidade por quarenta anos, até a abertura do Sinhá Pantoja, na Zona Sul, em 2018. “Até 2019 a capital ganhará mais três unidades, no centro e nas zonas Norte e Leste”, promete o secretário estadual de Educação, João Cury Neto. O objetivo é desafogar o Clara Mantelli e aumentar a taxa de conclusão, que nos últimos cinco anos ficou em 25%. “Muitos alunos desistem por causa da distância”, diz Cury Neto.

O Clara Mantelli oferece ensino semipresencial a maiores de 18 anos com educação básica incompleta. Eles recebem livros e roteiros para estudar em casa ao menos duas disciplinas de cada vez e retornam à escola para fazer exames. É obrigatória apenas uma presença mensal, que pode ser cumprida em oficinas de temas específicos ou plantões de dúvidas.

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Alunos atendidos pelo Dona Clara Mantelli (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Para concluir o ensino médio, por exemplo, o aluno deve realizar onze oficinas e 121 provas, com nota mínima de 5. Não há prazos. “Há pessoas que terminam tudo em um mês, outras podem levar anos”, afirma o diretor Assis de Jesus Pereira. “Nesta instituição é possível conciliar estudo com trabalho e família, o que funciona mais para quem é autodidata”, avalia a professora Maria Clara Di Pierro, da Faculdade de Educação da USP, que conduziu um estudo sobre o local em 2016. “Mas é preciso ir além das certificações e investir mais na interação entre professor e aluno.”

As motivações para o retorno aos bancos escolares incluem desde necessidade profissional até realização pessoal (veja mais detalhes no quadro ao lado). Investimentos públicos pesados priorizaram a expansão de universidades privadas, enquanto o ensino médio ainda não se universalizou. Nas próximas páginas, confira algumas histórias de superação desses estudantes.

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A classe dos ciganos 

“Para que estudar? Vai virar doutor? Um cigano?” Essas eram frases muito ouvidas pelos primos Iram e Robert Miranda, de 33 e 32 anos, quando os dois eram crianças e queriam continuar no colégio. Moradores de um acampamento de 23 famílias ciganas na cidade de Itapevi, a 30 quilômetros da capital, eles mal concluíram o ensino básico. O estilo de vida nômade contribuiu para que ficassem afastados das salas de aula. Ambos decidiram mudar essa trajetória já adultos, após conhecer a religião evangélica. “Ninguém é melhor nem pior do que ninguém. Somos capazes de muita coisa”, diz Robert. “Hoje, estudamos não em busca de uma profissão melhor, mas por inclusão e para conseguirmos debater ideias com outras pessoas”, completa Iram.

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A dupla de primos ciganos (Leo Martins/Veja SP)

Os dois trabalham com compra e venda de carros e se matricularam recentemente no Clara Mantelli, onde estão cursando o 1º ano do ensino médio. Estudam uma vez por semana, sempre por volta das 19 horas, às vezes com a ajuda de Jady, filha de Robert, de 10 anos. Agora, os primos querem expandir o que estão aprendendo na sala de aula para dentro do seu povoado. Assim, iniciaram a construção de uma pequena escola de 40 metros quadrados para as crianças que moram no acampamento. “Nosso plano é trazer professores de fora para oferecer aulas de português, música e sobre a Bíblia”, explica Iram.

Contra o assédio e a depressão 

Após desentendimentos com a família, Alexsandra Gonçalves, 20, enfrentou uma severa depressão que a fez perder os dois últimos anos do ensino médio, em Bauru, no interior de São Paulo. Em 2017, ela se mudou para a capital com o noivo em busca de oportunidades. Havia conquistado uma vaga como atendente de telemarketing de uma marca de artigos esportivos, mas teve sua candidatura barrada por não ter terminado os estudos. Conseguiu emprego em um bar onde era a única mulher entre seis homens e o assédio de clientes a desmoralizava. “Pedi demissão e tracei uma meta para sair dessa situação”, conta.

Alessandra Grasieli Pinheiro Gonçalves _ Clara Mantelli
Alexsandra Gonçalves: depressão a fez perder dois últimos anos do Ensino Médio (Ricardo D'angelo/Veja SP)
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No começo deste mês, após 27 dias estudando das 10 às 20 horas, ela concluiu o ensino médio. Com isso, reconquistou o emprego de telemarketing. “O fluxo de pessoas na escola é muito grande e nem sempre conseguimos a atenção devida do professor, mas vou buscar um cursinho e depois fazer faculdade de psicologia”, afirma. “Tive um colega de 70 anos que me inspirou muito, pois ele entrou em teologia. Eu também vou conseguir.”

Aula de diversidade

Nascida na zona rural de Aquiraz, no Ceará, Claudete Monteiro, 43, passou a se identificar como travesti e a tomar hormônios aos 19 anos. A partir disso, sofreu com risadinhas e piadas homofóbicas dos colegas, o que a levou a se distanciar da sala de aula. “Eu tinha saudade da escola, me apertava o peito ver alunos de uniforme”, lembra. Após quase duas décadas sem abrir um livro do ensino básico, em 2013 ela se matriculou no Clara Mantelli. No começo, não levava a instituição muito a sério. “Achava que não era para mim”, diz ela. Até que, em 2015, passou a militar a favor da diversidade, a entender seu espaço na sociedade e, assim, começou a participar mais da vida escolar.

Clara Mantelli – Claudete Monteiro. Foto: Leo Martins
Claudete Monteiro: piadas homofóbicas a afastaram da escola (Leo Martins/Veja SP)

Claudete trabalha como diarista e estuda em casa, nas horas vagas, antes ou depois de uma faxina. E, mais crítica que a média dos alunos, tem as suas sugestões para melhorar o ensino. “A escola é um local excelente para a formação do cidadão, mas a rotina é mais de provas, acho que falta um vínculo maior entre professor e aluno. Se quero uma discussão mais profunda, busco por conta própria em outros lugares”, diz.

Advogada sem registro 

No fim de 2017, Giane Costa, 46, formou-se em direito pela Uninove. Logo no início deste ano prestou a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e passou de primeira. Poucos dias depois, no entanto, o conselho da classe informou-a de que seus certificados de ensino fundamental e médio não eram válidos. A notícia caiu como um balde de água fria. “Descobri que meus diplomas foram fraudados no supletivo particular que eu havia feito à época e a escola sumiu do mapa”, relata.

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CLARA MANTELLI – GIANE
Giane Costa: certificado inválido (Marcelo Justo/Veja SP)

A forma mais rápida que ela viu de corrigir o problema foi refazer tudo no Clara Mantelli, onde está matriculada desde março. Por lá há, inclusive, diversos alunos na mesma situação que ela. “O sentimento é constrangedor, mas estou conseguindo fazer tudo rápido. As minhas notas giram em torno de 8 e 9”, conta. “Estou correndo contra o tempo porque a minha chefe me deu prazo de quatro meses para resolver tudo, caso contrário perderei meu emprego”, diz ela, que no momento trabalha como assistente jurídica em uma clínica de estética.

Aos 86, cego e bom de contas 

Há cerca de dez anos, Amaro Piero Silva ficou cego em razão de um glaucoma provocado pelo diabetes. O quadro o levou a uma depressão que só foi superada após vários meses. Nessa mesma época, ele foi convencido pela mulher e por amigos a retomar os estudos que havia interrompido quando era adolescente, no interior de Pernambuco. “Onde eu morava não se dava tanta importância à educação. Na época eu ouvia que ‘homem não se mede pela literatura, e sim se ele sabe manusear enxada, foice e machado’”, relata. “Agora, com 86 anos, só faltam as matérias de inglês e matemática para eu concluir. A escola para mim é uma vida”, comemora.

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Amaro Piero Silva: retomada dos estudos após ficar cego (Leo Martins/Veja SP)

Silva frequenta o local uma vez por semana desde 2015. Como o estudante mais idoso do Clara Mantelli, precisou se reinventar. Aprendeu a ler em braile e a fazer cálculos usando o soroban, instrumento surgido na China há quatro séculos. “Ele é o aluno que superou o mestre nas contas”, orgulha-se a professora Geny Marques Rodrigues, ex-aluna da própria instituição e responsável pela turma de deficientes visuais desde 2015. “Ficar em casa é terrível, aqui eu me movimento, ganho conhecimento e vou levando a minha vida”, completa.

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Geografia no laço

Nos últimos trinta anos, Adilson Costa, 50, rodou o Brasil fazendo locução de rodeios. De uns tempos para cá, no entanto, o mercado passou a exigir registro profissional. “Para conseguir isso, preciso ter os certificados do ensino fundamental e do médio, mas eu parei na 7ª série”, lamenta. Após perder várias oportunidades, uma de ser locutor em um grande supermercado e até de comandar um programa de música numa rádio, Costa ingressou no supletivo em 2016.

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Adilson Costa: mercado passou a exigir registro profissional (Leo Martins/Veja SP)

Ainda não conseguiu concluí-lo devido à rotina de trabalho como motorista em Guarulhos, onde mora. “Tento estudar a partir das 19 horas até dormir, mas não é fácil, porque eu chego cansado e, às vezes, nem olho para o livro”, admite. “Estudar trinta minutos de matemática, por exemplo, é mais difícil que trabalhar 24 horas.” Ele conta que já pensou em desistir, mas foi dissuadido pela professora de geografia, Mônica Neves. “É bom ter pelo menos uma pessoa assim acreditando em você”, afirma.

Aluna internacional 

Há dois anos, a cabeleireira Yakene Cata, 26, deixou Angola, país que ainda sofre as consequências de uma guerra civil de quase trinta anos, para reconstruir a vida em São Paulo. Desde que chegou, ela concluiu os estudos, mas seus documentos não foram reconhecidos aqui. Assim, precisou retornar à sala de aula em janeiro. “Fiquei com medo de não me aceitarem por eu ser estrangeira, e então veria meu sonho de cursar medicina se tornar ainda mais distante”, diz. “Na rua ouvimos que estamos tirando o emprego dos brasileiros, falam para voltarmos ao nosso país. Mas aqui na escola é diferente, fui muito bem recebida.”

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A angolana Yakene Cata (Ricardo D'angelo/Veja SP)
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Apesar de o idioma oficial de Angola também ser o português, há muitas variações na linguagem. A palavra bala, por exemplo, só é usada para designar munição, e não o doce, que é sugo. Dessa forma, Yakene transmite seu aprendizado para o filho de 10 anos, que em breve deve entrar em uma escola para sua idade. “Não quero que ele sofra bullying dos colegas, ele precisa aprender como os brasileiros falam”, explica. Yakene estuda só quando o filho menor, de 1 ano, está na creche. “Quando ele está em casa, fica tirando a caneta, os livros e o lápis, porque quer atenção”, diz.

Marmita no novo emprego

Com um sorriso de orelha a orelha, o estudante Clodoaldo de Assis Ribeiro, 47, mostra, orgulhoso, seu crachá de auxiliar de limpeza do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). Após um ano desempregado, ele conquistou a vaga em março, depois de concluir o ensino fundamental no supletivo e mandar bem no processo seletivo, que incluiu uma prova de redação. “Eu gosto de português e já tinha treinado algumas redações, então isso me ajudou muito.”

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Clodoaldo de Assis Ribeiro: novo emprego após concluir o ensino fundamental (Leo Martins/Veja SP)

Ribeiro viu a necessidade de se reinventar quando saiu de um casamento de vinte anos e percebeu que só cresceria pessoal e profissionalmente se estudasse. “Voltar depois de tantos anos me devolveu a autoestima. No meu emprego anterior, eu precisava levar marmita e esquentá- la na rua montando um fogão improvisado. Agora eu ganho almoço, e ele já vem quentinho.”

Lição de casa

As dicas para se matricular e adquirir hábitos de estudo

Documentos. Comparecer pessoalmente com RG e CPF originais e cópias, três fotos 3 por 4, histórico escolar atualizado, certidão de nascimento ou casamento e comprovante de residência.

Dificuldades. Geralmente os alunos têm mais dificuldade com matemática (raciocínio lógico) e redação (interpretação de texto). São oferecidas videoaulas e oficinas específicas sobre esses temas.

Aprendizado. As sugestões dos professores são grifar textos, organizar anotações, produzir resumos, fichamentos, resenhas, esquemas, ler e interpretar gráficos e tabelas, além de apreciar imagens.

 

Matemática no gigante do Belém

Números da instituição e de seus alunos*

9 750 estudantes matriculados

45% deles têm de 30 a 49 anos de idade

32% estão fora do mercado de trabalho

38% retornaram às aulas por necessidade profissional

29% voltaram a estudar por realização pessoal

24% sonham em cursar o ensino superior

52% dos matriculados são mulheres

38% ficaram longe dos estudos de quatro a dez anos

* Em maio de 2018

 

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