O presidente da Liga das Escolas de Samba (e da atual campeã Águia de Ouro), Sidnei Carriuolo explica como seria um desfile no meio do ano, comenta o dinheiro público dado às agremiações e critica a falta de liderança política
As escolas farão alguma atividade nesta semana em que seriam os desfiles (nos dias 12 e 13)?
Vamos estar na torcida, mas, em vez de torcer pelas escolas, vamos torcer pela vacina. Samba, mesmo, só on-line. A Liga vai fazer uma transmissão pela internet. Como o Sambódromo completa trinta anos, vamos passar, no horário em que seriam os desfiles, apresentações históricas de cada escola ao longo destas três décadas, escolhidas por elas mesmas.
Existe uma expectativa de os desfiles acontecerem em 9 e 10 de julho. É esse o plano da Liga?
Temos um contrato com a prefeitura para fazer o Carnaval em julho. Mas você sabe que a cada dia temos uma notícia nova e uma perspectiva diferente no país. Em dezembro, a perspectiva era que em janeiro já existisse uma vacinação em massa. Hoje, com o cenário atual, nós estamos pessimistas em relação a fazer o desfile em julho. A única certeza é que a gente não vai fazer nada que não seja recomendado pelas autoridades de saúde. Se não pode, não pode. Carnaval tem todo ano. Temos muitas pessoas de idade nas escolas. Uma única perda já acabaria com o brilho, já não valeria a pena. Não vamos cometer nenhuma loucura.
Essa opinião é consensual ou a politização da pandemia aconteceu também entre escolas?
É consensual. Todas estão muito conscientes e sabem da responsabilidade que temos. As escolas ajudaram demais as comunidades com cestas básicas, produtos de limpeza, confecção de máscaras. Todas pensam do mesmo jeito: se não tiver condições de fazer, respeitamos e deixamos para 2022.
Quando isso será definido?
Até o fim de fevereiro, que seria o prazo-limite para as escolas se prepararem caso o desfile aconteça em julho.
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Como seria um desfile em julho?
Um pouco reduzido. Não haveria condições de fazer uma grande bilheteria em julho. A sexta e o sábado de desfile não teriam feriado prolongado. Então seria um valor menor do ingresso para o espetáculo. Um Carnaval com menos pessoas desfilando e menos carros alegóricos. Se ficar para fevereiro de 2022, daria para levantar mais dinheiro.
Pessoalmente, você prefere julho ou fevereiro de 2022?
Eu prefiro que primeiro o país esteja bem.
Para as escolas, quais seriam as consequências de um cancelamento?
Sinceramente, não iria mudar muito. Aquilo que a gente preparou para este ano aproveitaria para 2022. Simples assim.
Qual é a situação financeira das escolas após um ano de pandemia?
Muito difícil. Ficamos um período longo sem um tostão. Desde que começou a pandemia não tem festa, ensaio (para arrecadar fundos)… E temos muitos pro- fissionais envolvidos na preparação dos desfiles, como serralheiros, marceneiros, pintores, costureiras. Na média, 90% dos desfiles estão prontos, ou seja, foram feitos ao longo destes meses
Quanto custa um desfile?
Depende do desfile. Tem escola do Grupo de Acesso que faz com 500 000 reais. O nosso (da Águia de Ouro, atual campeã) varia de 3,5 a 5 milhões. O Carnaval de São Paulo é muito controlado nos gastos.
No Rio de Janeiro custa quanto?
Eles não dizem quanto gastam. Um fala uma coisa, outro fala outra… Mas o Carnaval do Rio tem outra realidade. O de São Paulo nunca vai ser igual ao do Rio. Carnaval é estritamente um produto turístico. O Rio é um estado receptor de turistas, aos milhões. São Paulo é o contrário, um estado emissor.
“O Carnaval de São Paulo nunca será como o do Rio. O desfile é essencialmente um produto turístico. O Rio é um receptor de turistas; São Paulo, um emissor”
As empresas estão topando patrocinar os desfiles no momento?
Não. É algo totalmente atípico (no ano passado, a Liga teve o apoio de marcas como Chevrolet, Bradesco e Burger King). As empresas também sofrem uma falta de verbas. E elas precisam de um norte. Aí entra até a questão política: um fala uma coisa, outro diz outra… Como você vai colocar seu dinheiro em um investimento sem saber o que vai acontecer, sem saber como vai ficar o país no próximo ano?
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Quanto do desfile de São Paulo é pago com dinheiro público?
Cada vez menos. Antigamente, a verba pública era a maior que a gente tinha. Hoje, é a menor. Fica em torno de 30%. O resto é ingresso, evento, patrocínio. Mas o retorno que o evento traz para a cidade compensa o investimento. (A prefeitura destina 40 milhões por ano para o desfile, o que inclui desde a verba para as escolas de todos os grupos até a infraestrutura do Sambódromo. Segundo a SPTuris, o último desfile trouxe 310 milhões de reais em retorno para a cidade.) Nosso objetivo é não precisar mais de nenhuma verba pública.
As escolas vão trazer o tema da pandemia nos próximos enredos?
Algumas, sim. Vão falar da esperança em um novo dia, da importância de fazer coisas simples como andar de ônibus ou abraçar alguém na rua. Na Dragões da Real, o enredo é “O dia em que a Terra parou”. A Rosas de Ouro falará sobre a saúde. A Vila Maria vai usar um samba que fala da pandemia.
Pessoalmente, o que você fará neste fim de semana de “Carnaval”?
Ficarei em casa. Sou do grupo de risco, faço 65 anos ainda em fevereiro.
Qual é a sensação?
Sinceramente, sou um cara muito tranquilo. Tudo tem seu tempo, não se pode atropelar o tempo. Neste momento, o destino está dizendo: dê um tempo. E aprenda com o que está acontecendo. Aprenda até a dar valor ao próprio Carnaval. Dá para ver isso nas redes sociais, as pessoas com saudade dos desfiles… Então, de um jeito ou de outro, é uma relação de mais amor, né?
Existe um projeto de profissionalização da Liga. Como funcionaria a mudança?
A ideia é contratar profissionais de marketing, eventos, infraestrutura, finanças… Vamos ter também um CEO, que não seria ligado a nenhuma escola. É o nosso projeto para a próxima gestão. O mandato atual termina em maio de 2023. Até lá temos tempo de explicar para esse time de executivos como o Carnaval funciona, qual é a necessidade das escolas e assim por diante.
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Publicado em VEJA São Paulo de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725