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OLÁ,

Oito professores que encantam alunos com metodologias e talentos próprios

Como o nada ortodoxo personagem Merlí, sucesso na Netflix, profissionais da rede pública e privada vão além do giz, saliva e lousa para conquistar as salas

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 11 out 2019, 15h16 - Publicado em 11 out 2019, 06h00
Marcos entendeu que quebrar barreiras seria o seu papel (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O carismático e nada ortodoxo professor Merlí, sucesso catalão na Netflix, encanta por atrair os adolescentes ao mundo da filosofia. Do filme Sociedade dos Poetas Mortos à recém-lançada produção global Segunda Chamada, sempre parece surpreender o professor que vence a falta de concentração do alunado, a ausência de pais mais participativos e o envelhecimento de escolas e seus currículos. No estado mais rico da nação, 45% dos alunos que terminam o ensino médio (o antigo 2º grau ou colegial) estão abaixo do básico em leitura e matemática, depois de pelo menos onze anos na escola.

Além dos desafios citados, há um alto número de faltas diárias — só na rede municipal paulistana, mais de 6 000 professores se ausentam por dia, 10% do total. Licenças médicas, que podem durar até 180 dias, incluem um alto índice de depressão e outros problemas psiquiátricos. Desafiando esse quadro clínico sombrio, a Vejinha reúne o perfil de oito profissionais que fazem muita diferença na semana do Dia do Professor. Dos que se fantasiam e usam maquetes aos que recorrem a ensinamentos da música e do teatro. Dos que já foram premiados aos que, silenciosamente, se exigem mais e mais para que os alunos aprendam. Em comum, eles usam talento e inspiração, além de metodologias próprias.

Segundo especialistas, o professor brasileiro ainda não é ensinado a ensinar. Os cursos de formação do professorado enfatizam cadeiras teóricas sobre a história da educação, e pouco, muito pouco, sobre como pilotar uma sala de aula, como manter a disciplina e quais métodos são mais eficientes para que as crianças aprendam. O salário dos docentes ainda não é um ímã de talentos, mas melhorou na última década. Os professores municipais ganham, em média, 5 300 reais, enquanto os estaduais ficam em 4 368 reais para quarenta horas semanais. Na rede privada, são 3 683 reais no fundamental e 5 232 reais no médio (esses valores já os colocam na classe média nacional). Os mestres aqui retratados inspiram colegas e mostram como mover cordilheiras, com muito além de giz, saliva e lousa.

DIVERSIDADE E INCLUSÃO

O paulistano Marcos Ribeiro das Neves, de 40 anos, cresceu no bairro do Carandiru, na Zona Norte, ouvindo que skate e capoeira eram coisas de bandido. O adolescente não entendia o preconceito — afinal, só estava às voltas com atividades esportivas entre seus amigos. “E ninguém ali era bandido”, recorda. Aos 23, trabalhando como carteiro, entrou na faculdade de educação física e, na sequência, dentro do grupo de pesquisas da USP, entendeu que quebrar barreiras seria o seu papel vida afora. Marcos dá aulas a nove turmas, entre o 4º e o 7º ano, da Escola Municipal Anna Silveira Pedreira, no Campo Limpo, na Zona Sul. Morador do Capão Redondo, ele dissemina diversidade e inclusão entre os mais de 200 alunos. Especialista em pedagogia dos esportes e mestre em educação, Marcos propõe atividades que, além do futebol, do basquete e do vôlei, incluem o circo, o jiu-jítsu e aulas embaladas por funk e K-pop, a onipresente música coreana com toques de hip-hop. “Ofereço práticas distintas porque cada físico tem suas afinidades”, afirma. “Procuro a especificidade porque, assim, vou despertar o interesse”, completa. Marcos também tem alunos paraplégicos e deficientes visuais, e todos são inseridos nos trabalhos, nem que sejam de apoio. Uma de suas pesquisas se volta para o pernambucano maracatu. “A função da educação física é inserir o jovem na sociedade e auxiliar na formação crítica da cidadania”, discursa. “Já recebi pais, com a Bíblia na mão, que não queriam ver as filhas rebolando, por isso é preciso entender o ambiente em que sua escola se insere para convencê-los do trabalho.”

Silvia Cristina de Almeida Estevão
Silvia acredita que a personagem ajuda na compreensão fonética das letras (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A MÃE DE TODAS AS LETRAS

Mesmo usando óculos, a letra Q enxerga muito mal. Quase cega, ela não anda sozinha pelas ruas e precisa do apoio da esperta letra U, sempre atenta ao seu lado. Essa é uma das tantas histórias da Mamãe Alfabeto, personagem criada pela professora Silvia Cristina de Almeida Estevão para ajudar na alfabetização do alunos da Escola Estadual Blanca Zwicker Simões, no Jardim Anália Franco (Zona Leste). Na aula inaugural, a professora, de 34 anos, usa maquiagem, vestido branco e lilás, sapatilhas e trancinhas para se apresentar diante dos pequenos, com idades entre 5 e 6 anos. A personagem, que ajuda na compreensão fonética das letras e na formação das palavras, aparece mais três ou quatro vezes durante o ano letivo. Nos demais dias, fica representada por uma boneca que Silvia coloca em cima de sua mesa.

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Silvia Cristina de Almeida Estevão
“Tenho vocação para o lúdico na vida, gosto da fantasia, do sonho, e demorei muito para aceitar isso” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“As crianças chegam à escola sem saber o alfabeto, e eu fiquei revoltada ao ler em uma pesquisa que muitos alunos terminavam o ano sem reconhecer as letras”, afirma a alfabetizadora, formada em pedagogia, há dez anos no magistério. Silvia entendeu que a contação de histórias desperta a atenção das crianças e as leva para um mundo de interação. Depois disso, confeccionou as letras em borracha, forrou-as com feltro e testou em sala. “Tenho vocação para o lúdico na vida, gosto da fantasia, do sonho, e demorei muito para aceitar isso.” Silvia sempre se imaginou como professora, mas a família a desanimava. “Você vai ganhar pouco”, costumavam lhe dizer. Estudou dois anos de hotelaria e, incentivada pela irmã, aprovada em pedagogia, percebeu que ela mesma é quem decidiria seu futuro. “Sou muito feliz e entendi que cada um tem sua ambição. No ano passado, meus trinta alunos encerraram o ano alfabetizados. Não há recompensa maior.”

Rita de Cássia Fortes
Rita usa métodos práticos e de fácil associação ao cotidiano (Alexandre Battibugli/Veja SP)

GEOMETRIA EM MAQUETES DE PICOLÉ

A professora Rita de Cássia Fortes, de 52 anos, ainda se sente motivada ao recordar uma cena ocorrida na década de 70. Desafiada diante dos colegas de colégio, ela foi até a lousa para resolver uma equação e, finalizada a tarefa, só ouviu da professora que estava tudo errado. “Eu não me conformava, porque ela não me explicava meu engano e só repetia que não era daquele jeito”, conta ela, que tem 21 anos de magistério e leciona matemática na Escola Estadual Casimiro de Abreu, na Vila Guilherme (Zona Norte). “No ensino das exatas, você precisa saber que errar faz parte, não deve desistir. Basta ser orientado, identificar a falha e começar de novo”, completa. Formada em matemática e pedagogia, Rita atende três turmas, além de coordenar a área de exatas. Para espantar o fantasma da matemática, recorre a métodos práticos e de fácil associação ao cotidiano dos estudantes. Jogos de videogame servem de base para a compreensão da geometria espacial. Uma brincadeira em que um cartão vermelho representa o negativo e um verde é o positivo foi criada para o ensino da regra de sinais. É na hora de decifrar os mistérios da geometria analítica, porém, que Rita conquista de vez os alunos do 3º ano do ensino médio. Ela se inspira na arquitetura e demonstra a aplicação de seno, cosseno e tangente de um ângulo por meio da planta de uma casa. Para isso, os estudantes constroem maquetes com palitos de picolé, material barato e, na maioria das vezes, acessível. “Mesmo assim, frequentemente eu compro do meu bolso porque conheço a realidade”, diz a mineira radicada em São Paulo desde a infância, que trabalhou dez anos na rede privada, mas pediu demissão para ficar na pública. “Acredito no ensino integral e visto a camisa porque me realizo.”

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Francisco dos Santos Cardoso
Francisco usa técnicas do teatro para ensinar os alunos em sala de aula (Alexandre Battibugli/Veja SP)

UM ATOR NO COLÉGIO

A sala de aula do professor Francisco dos Santos Cardoso, de 50 anos, só existe em uma comunicação direta com a arte. Chico, como é conhecido pelos alunos, também é ator, participou de mais de dez espetáculos — o mais recente deles, As Duas Mortes de Roger Casement — e garante a atenção em suas aulas de história apoiado em técnicas comuns ao teatro. “Eu sou um personagem, então exploro diferentes vozes, apelo para a linguagem corporal e prego surpresas durante a explicação, porque sei que a cada quinze minutos o ouvinte precisa de um pico de atenção”, explica o paulistano, que leciona para nove turmas, entre o 6º e o 9º ano, da Escola Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, na Vila Madalena (Oeste). O cinema e a música também estão entre os objetos de trabalho. Para explicar a ditadura militar, Chico recorre ao filme Pra Frente, Brasil e às canções censuradas de Chico Buarque. A emancipação feminina ao longo das décadas foi discutida por meio de gravações da música Fever, como a de Peggy Lee, em 1958, e a de Madonna, em 1992. “Sou um professor como aquele que gostaria de ter tido na escola”, diz Chico, que também ministra a disciplina eletiva de teatro em grupos de trinta alunos.

Cláudio Eduardo Germano Patto
Professor Cláudio organiza viagens para envolver os alunos na ecologia (Alexandre Battibugli/Veja SP)

AULAS DE BIOLOGIA E DE VIDA

O interesse de Cláudio Eduardo Germano Patto, de 45 anos, pela biologia vem da infância, quando ouvia histórias de seu pai, um militar que pilotava aviões em expedições para a Amazônia. “Ele viajava com os irmãos Villas-Bôas e voltava cheio de fotos, encantado com os bichos, a natureza e a pauta ambiental”, lembra o professor da Escola Suíço- Brasileira, em Santo Amaro, que nasceu em Belém, foi criado em Brasília e mora em São Paulo desde 1992. Patto especializou-se em ecologia e, influenciado pelos professores, percebeu que seu território é a sala de aula, e não as pesquisas acadêmicas, como imaginava. “Quando era universitário, para reforçar o orçamento, acompanhava estudantes de ensino médio no que chamamos de estudo de meio, passeios de quatro ou cinco dias com a escola, e percebia o impacto na formação deles”, afirma. Hoje, seus alunos têm entre 13 e 17 anos e essas viagens, que permitem o contato direto com a natureza, são a grande satisfação de Patto. Seja no litoral de Ilhabela, no Saco do Mamanguá, em Paraty, ou em destinos internacionais, como Honduras ou Dominica, o mestre mostra aquilo que é estudado em sala e também coloca como tarefa a participação em todas as etapas da excursão. Os garotos, por exemplo, reservam passagens e hospedagem, além de garantir as compras de supermercado. “Tenho responsabilidade também na formação de vida deles.” Ao lado dos meninos, o professor sobe montanhas, pratica trilhas e mergulha em rios e mares. Em meio a tudo isso, expõe experiências pessoais. Desde os 26 anos Patto carrega no peito um marca-passo por causa de uma doença do músculo cardíaco, a displasia do ventrículo direito. “Mostro que levo uma vida normal, como qualquer um, e que tudo é possível”, completa.

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Vera Lúcia da Costa Antunes
Vera brinca que nasceu professora, começou ensinando as bonecas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

CINCO DÉCADAS PARA EXPLICAR O MUNDO

Aos 71 anos, a paulistana Vera Lúcia da Costa Antunes costuma dizer que, além de geografia, ensina positividade. Não adianta a meninada dominar o estudo de mapas e globos, saber de cor as capitais europeias e entender as variações climáticas se não acreditar no próprio potencial. “Eu incentivo o aluno a lutar, a ter garra para ir em busca de seus sonhos”, afirma. Vera brinca que nasceu professora. Começou ensinando as bonecas, depois foi a vez das primas e, logo em seguida, colegas e vizinhos batiam na porta em busca de reforço. Aos 17 anos, entrou na Faculdade de Ciências Sociais da USP e acumulou a graduação em geografia. Desde 1970 ela leciona no colégio Objetivo, na Avenida Paulista. Hoje, tem seis turmas do 3º ano do ensino médio e outras nove do curso pré-vestibular. “Eu aumento e baixo a voz, modulo o tom, reforço as sílabas, busco uma sonoridade quase musical para manter a atenção de cada aluno”, conta. “Eles precisam entender o que acontece no mundo, não interessa se falo do Rio Amazonas ou de Hong Kong”, completa. Em cinco décadas, muita coisa mudou. Vera, porém, não abre mão dos globos nem dos mapas de papel nas explicações. “A tecnologia está em constante evolução, e eu faço o uso dela, mas o ser humano é o mesmo”, diz a professora, que se orgulha de ter apadrinhado casamentos de estudantes e, inclusive, batizado filhos deles. “Eu também sou o ombro amigo dos meus alunos, ouvindo desabafos sobre a separação dos pais e até os conflitos com namorados ou de orientação sexual.”

Fernando de Mello Trevisani
Fernando explora as habilidades de cada aluno para explicar matemática (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A MATEMÁTICA DE CADA UM

O professor de matemática Fernando de Mello Trevisani, de 31 anos, era um aluno mediano na disciplina que ensina, de modo entusiasmado, a quatro turmas do Colégio Sidarta, na Granja Viana. O então estudante de escola pública, inconformado com o rendimento pífio, se jogou obstinado no estudo dos números. “Eu me apaixonei pela matemática ao perceber que estava aprendendo uma matéria considerada tão difícil e, aos poucos, fui testando meus limites”, conta ele, que tem uma década de magistério, é mestre em tecnologias e educação matemática e leciona há três anos no Sidarta. Nesse jogo de superação, Trevisani entendeu que o professor faz apenas uma mediação. O profissional explora a personalização do aluno de acordo com as habilidades e os interesses de cada um, baseado na metodologia do ensino híbrido. “Promovo ações conforme o que cada um sabe. Afinal, o estudante é o centro do processo, e, na matemática, os erros são diferentes”, afirma. Ele também explora o ensino em grupos, quebrando o conceito de que a meninada precisa ficar de cabeça baixa e de que a resolução das equações é um exercício solitário. “Cada aluno apresenta suas ideias de soluções para chegar ao resultado em um trabalho coletivo e heterogêneo.”

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Debora Garofalo
A professora ficou entre os dez finalistas do Global Teacher Prize (Alexandre Battibugli/Veja SP)

UMA DAS MELHORES DO MUNDO

A paulistana Débora Garofalo, de 40 anos, ficou entre os dez finalistas do Global Teacher Prize, o Nobel da educação, que escolhe os melhores professores do mundo. O seu feito foi tirar os alunos do 6º ano da Escola Municipal Almirante Ary Parreiras, na Vila Babilônia, da frente da lousa e convidá-los a catar lixo nas ruas situadas no entorno de quatro favelas. Juntos, eles recolheram sacos plásticos, canudos, latas e outros materiais recicláveis e, na classe, desenvolveram um projeto de robótica com sucata. Um carrinho movido a bexiga foi o primeiro resultado, e Débora provou que também podia reduzir o lixo nas ruas, que, em dias de chuva, causa alagamentos, transmite doenças e contribui para a ausência dos alunos. Em março, na cerimônia de entrega do Global Teacher Prize, em Dubai, Débora chorou discretamente em meio ao ambiente requintado. Sem rancor, recordouse de um tio que, na infância, lhe profetizara um destino catastrófico. “Você, filha de pais separados, jamais vai ser alguém”, ele teria dito. Débora foi longe. Formada em pedagogia e letras, trabalha há catorze anos na rede pública e, de reconhecida alfabetizadora, tornou-se professora de tecnologia. Casada e mãe de uma menina, Débora desenvolve um trabalho voluntário de robótica na mesma Vila Babilônia (Zona Sul), em que recebe ex-alunos, seus amigos e familiares nas manhãs de sábado. Durante a semana, está cedida, desde junho, à Secretaria de Educação do Estado. Seu novo desafio é implantar a disciplina de tecnologia em um currículo que vai chegar a 2,5 milhões de estudantes. É, titio, Débora ainda vai mais longe.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656.

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