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OLÁ,

A era dos podcasts: o sucesso dos programas de áudio on-line

Paulistanos conseguem audiência de até 600 000 ouvintes por mês. Confira quem se deu bem, o que ouvir e dicas para começar na área

Por Mariana Rosario Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 jul 2019, 16h57 - Publicado em 14 jun 2019, 06h00
Duarte, Marina e Cruz: integrantes do Milkshake Wanda (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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É a uma plateia virtual de 170 000 pessoas que a dupla de publicitárias Juliana Wallauer e Cris Bartis se dirige toda semana. Elas estão à frente do programa Mamilos, que se propõe a discutir temas polêmicos com a tranquilidade de quem comenta o noticiário com os amigos. Por ali, as moças recebem toda sorte de especialistas, líderes religiosos e estrelas da recente “podosfera” paulistana. Com mais de uma hora de duração, o show é um exemplo do recente barulho que os podcasts estão produzindo na metrópole. Tal e qual um programa de rádio, essas atrações em áudio são distribuídas por sites ou aplicativos para celular — ou seja, nada de sintonizar canais AM e FM. Além disso, o formato ao vivo não tem vez. Com periodicidade semanal, estreiam sempre em um dia específico da semana e ficam acessíveis para que a audiência escute quando preferir. A disponibilidade de assuntos também é grande. Estão ali opções sobre arte, cultura, política, ciência, finanças, comportamento… Os principais responsáveis pelos programas de sucesso estão normalmente associados a produtoras especializadas ou a podcasts já estabelecidos, o que garante melhor acabamento na gravação e na edição. São pelo menos três grandes estúdios na capital paulista, o B9, o Central 3 e o Half Deaf. Há, por outro lado, quem também produza suas versões de forma amadora, em casa.

A depender da expectativa dessa turma, o formato inovador deve aumentar o volume de seu alcance nos próximos anos. “Ainda existe uma barreira cultural, o podcast não atingiu sua maturidade, estamos na adolescência”, analisa Kellen Bonassoli, da Associação Brasileira de Podcasters (Abpod). Essa sensação é confirmada pela pesquisa Ibope divulgada no último mês de maio. O levantamento realizado com 2 000 participantes mostrou que 32% dos 120 milhões de internautas brasileiros nunca ouviram falar de podcast. Por outro lado, 40% da web no país já acompanhou ao menos um programa desse tipo.

Para o público já iniciado não faltam opções. De acordo com pesquisa realizada pela Abpod em 2018, são mais de 3 000 projetos produzidos em todo o território nacional. Segundo a mesma pesquisa, os paulistas correspondem a 37% dos ouvintes no país. Aqui, vivem 80% dos apresentadores que comandam os cinquenta primeiros cam peões de audiência do estudo. A principal exceção é o NerdCast, gravado em Curitiba e no ar há catorze anos, com quase 1 milhão de downloads por episódio, um dos líderes nos quesitos longevidade e audiência. “A gente passou a fazer parte da rotina das pessoas e se espalhou no boca a boca”, explica Alexandre Ottoni, que assume semanalmente os microfones da atração ao lado do sócio Deive Pazos.

Além da divulgação pelos próprios ouvintes, os produtores de podcast ganharam fortes aliados nos últimos três anos: os aplicativos de música Spotify e Deezer passaram a disponibilizar podcasts em seu cardápio de conteúdos. Com a mudança, há quem tenha aumentado seu alcance em 60%. As empresas de aplicativos não só abriram espaço para que os apresentadores incluam seus produtos, mas também começaram a encomendar dos produtores programas próprios.

A Deezer, por exemplo, lançou no ano passado uma seleção de programetes sobre temas diversos, como música e astrologia. As edições são gravadas em um estúdio próprio, no bairro de Pinheiros. “É uma forma de agregar conveniência ao usuário”, explica Bruno Vieira, diretor geral da marca.

Apesar da onda positiva, ganhar dinheiro na área ainda é uma tarefa árdua. Na ginástica para bancar os custos de realização, há quem chegue a oferecer seus equipamentos para a gravação de aulas e audiobooks. Também vão bem os financiamentos coletivos pagos mensalmente pelos ouvintes e o bom e velho merchandising. De longe, a opção mais rentável é criar episódios ou temporadas inteiras personalizadas para patrocinadores. Há programas que já foram vendidos por 50 000 reais a edição nessa modalidade. Outra boa tática que passou a ser usada é a participação do anunciante na mesa de apresentadores. “É um marketing muito sutil, um dia a pessoa pode precisar do serviço e lembrará dessa conversa”, explica Paulo Silveira, CEO da Alura, uma espécie de Netflix de cursos. A marca investiu 1 milhão de reais em publicidade de podcasts no último ano.

Se por aqui as coisas estão começando a esquentar, nos Estados Unidos os podcasts são ouvidos com frequência mensal por 26% da população. Eles conquistaram, portanto, uma rentabilidade invejável e ganharam adaptações para a televisão e outras mídias. De acordo com consultorias especializadas, a estimativa é que marcas invistam cerca de 660 milhões de dólares nesse tipo de mídia no próximo ano em todo o país. Até o gigante do entretenimento Marvel colocou para tocar em 2018 seu primeiro programa de áudio ficcional sobre o super-herói Wolverine. Outra prática comum é a apresentação de edições especiais ao vivo, com plateia e cobrança de ingresso, algo que começa a ser praticado nos teatros paulistanos. Nos Estados Unidos, faz muito sucesso um formato ainda pouco explorado por aqui, o chamado storytelling, em que o ouvinte acompanha o desenrolar de um enredo a cada episódio. O sucesso arrasa-quarteirão da modalidade, chamado Serial, sobre assassinos em série, teve 24 milhões de down loads só em abril de 2019.

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Números polpudos como esse reforçam a tese de que ainda há muito espaço para quem quer conquistar audiência e empreender no setor. “Estamos na infância digital disso tudo”, diz o professor Gil Giardelli, que ministra aulas de inovação na Fundação Dom Cabral. “A corrida do ouro acabou de começar.”

AUTORIDADES POP

É surpreendente o fôlego do trio formado pelo publicitário Samir Duarte, a consultora de estilo Marina Santa Helena e o jornalista Phelipe Cruz. Há mais de quatro anos eles comandam o programa semanal Um Milkshake Chamado Wanda, com episódios de cerca de duas horas (alguns passam de três). Por ali, a ordem é esmiuçar as novidades do cenário pop atual, com direito a comentar sobre artistas-revelação, sem deixar de lado divas estabelecidas como Madonna e Cher. A atração ainda se expande para conversas sobre comportamento, seja por meio de quadros, seja por jogos, e dicas para ver, ouvir e ler. Ao lado deles surgem convidados fixos, caso da drag queen (que sabe tudo sobre videogame) Samira Close, além de influenciadores e ex-participantes do MasterChef. O modelo descontraído atrai 100 000 wanders — como eles chamam os seus ouvintes — por edição. “Às vezes estou em um supermercado, me reconhecem quando falo alguma coisa e elogiam o programa. A voz é algo muito poderoso”, surpreende-se Cruz. O sucesso, inclusive, gerou derivados: Marina comanda um show sobre estilo e Duarte deve lançar uma atração própria ainda neste ano.

Podcast Mamilos
Juliana e Cris à frente do podcast Mamilos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

POLÊMICA NA MESA

O público do podcast Mamilos, há quatro anos no ar, é suficiente para lotar quase três vezes o Estádio do Morumbi. A missão de falar semanalmente para essa multidão é das publicitárias Juliana Wallauer e Cris Bartis, que põem na roda temas polêmicos como aborto, fracasso, a crise na Venezuela ou até os diferentes tipos de família formados hoje em dia. “Temos conversas complexas sem nos colocar na condição de especialistas de nada”, explica Juliana. “Nós nos posicionamos como pessoas que também querem aprender uma coisa e convidamos o público para ouvir”, diz. A “ousadia” rendeu frutos além da audiência engajada. A dupla agora é sócia do estúdio B9, que produz e distribui o programa, e conta com um dos maiores financiamentos coletivos do pedaço, chegando a 26 200 reais pagos por quase 2 500 ouvintes todos os meses. Almejando voos mais ousados, Juliana e Cris colocaram no mercado programas com patrocínio e viabilidade financeira garantida desde o primeiro episódio. “É um trabalho que inicialmente era cheio de propósito, mas se desenvolveu em um negócio”, comemora Cris Bartis.

Thiago Nigro
Thiago Nigro comanda um novo podcast
de educação financeira (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O BÊ-Á-BÁ DAS FINANÇAS

À frente de um bem-sucedido canal no YouTube sobre finanças, investimentos e empreendedorismo, Thiago Nigro expandiu seu conteúdo para a podosfera há quatro meses sob o nome de PrimoCast. Na atração, que vai ao ar todas as segundas, ele alterna dicas de livros e conversas com figuras relevantes do mercado financeiro e dá lições que podem ser aplicadas na rotina diária de quem ouve. Apesar do assunto sério, o bate- papo é para lá de informal. “É muito imersivo, a gente se sente quase como se estivesse em uma mesa de bar”, explica. A ideia principal é ensinar a audiência a lidar melhor com o próprio dinheiro e investir. “Existe uma oportunidade gigantesca ao falar sobre essa área. É um assunto legal, afinal todo mundo quer ficar rico”, teoriza. A julgar pela repercussão de seus primeiros programas, Nigro tem razão. Cada um desses episódios foi baixado por 150 000 ouvintes, em média, índice impressionante para quem acaba de debutar no ramo. Os patrocinadores, é claro, também não tardaram a surgir. Marcas pagam ao menos 30 000 reais para aparecer na atração. “Existe um interesse crescente de empresas que querem relacionar-se ao programa”, diz.

Imagina Juntas
Jessica, Gus e Carol fazem um debate entre millennials: Imagina Juntas (Alexandre Battibugli/Veja SP)

PAPO DE MILLENNIAL

Com título inspirado em um meme, as publicitárias Carol Rocha e Jessica Grecco e o roteirista Gus Lanzetta lançaram há pouco mais de um ano o Imagina Juntas, que tem o formato de uma roda de conversa sobre a vida pela perspectiva jovem. Entram na jogada assuntos como amadurecimento, saúde mental, exposição online, família e até aventuras em aplicativos de relacionamento. “É uma terapia em grupo para millennials”, diverte-se Carol. Com essa pegada leve, o trio alcançou 94 000 ouvintes por episódio e recebeu convidados, de youtubers à atriz Denise Fraga. A interação com o público — marca registrada em atrações do tipo — ocorre na leitura de e-mails da audiência em busca de dicas dos apresentadores para dilemas cotidianos. Por causa do posicionamento tão próximo da base de ouvintes, o programa, lançado às quartas, é aguardado com ansiedade pelos “imaginers”, os fãs da turma. “Um dia atrasamos algumas horas, e as pessoas já estavam fazendo piada e perguntando sobre o episódio nas redes sociais”, conta Lanzetta.

Podcasts SciCast
Armando da Silva, Ronaldo Gogoni, Natalia Nakamura, Marcelo Rigoli e Fernando Malta (Marcelo Justo/Veja SP)

TRUPE DA CIÊNCIA

A missão é árdua: explicar em áudio, de forma envolvente, conceitos científicos para lá de específicos, caso do Último Teorema de Fermat, um mistério matemático que perdurou por séculos. A solução encontrada pelo time do SciCast nesses casos é apostar em um tom despojado, trazer diversas curiosidades e exagerar nos exemplos. O resultado é uma audiência acumulada de até 90 000 ouvintes por episódio lançado. Para dar conta de assuntos tão complexos, o podcast conta com cerca de cinquenta colaboradores entre professores e pesquisadores espalhados pelo país. A organização do time fica a cargo do engenheiro Fernando Malta. “Queremos que o público leigo entenda o que um cientista faz”, explica. O programa original já rendeu diversos outros derivados. Entre eles está o Contrafactual, que responde a perguntas pouco óbvias a exemplo de “e se os seres humanos fizessem fotossíntese?”. Apesar do ritmo intenso para pôr o projeto no ar, o clube trabalha de forma voluntária e reverte os ganhos dos episódios patrocinados (que ficam na média dos 6 000 reais) na compra de equipamentos de áudio para os participantes e em uma poupança para garantir a gravação por mais meses adiante.

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Podcasts – a ferramenta do momento
Renata, Roberta e Angélica à frente do Dibradoras (Marcelo Justo/Veja SP)

COM A BOLA TODA

É com desenvoltura de craque que o trio de apaixonadas por futebol formado por Renata Mendonça, Angélica Souza e Roberta Nina põe no ar semanalmente o programa sobre esportes femininos chamado Dibradoras. A atração, com cerca de sessenta minutos, foi lançada em 2015, por desejo do grupo de falar a respeito da Copa do Mundo de futebol feminino, realizada no Canadá naquele ano. De lá para cá, o time gravou uma centena de programas e esteve entre os cinco podcasts brasileiros mais citados no Twitter em 2018. Apesar do enfoque essencialmente feminino, quase 40% da audiência é composta da ala masculina — são cerca de 3 000 ouvintes por episódio, lançado na rede normalmente às quintas-feiras. “Vejo os homens marcando a namorada nas redes sociais para que ela confira nosso conteúdo”, comenta Roberta, formada em jornalismo. Apesar da forte pegada futebolística, o clube também produz programas sobre basquete, judô e outros esportes. Campeãs olímpicas de vôlei, como Paula Pequeno e Fofão, também já participaram de algumas edições. Em casos como esse, as convidadas vão além de comentários sobre o que se passa nas partidas e falam de sonhos e da vida pessoal.

Para dar play

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Sem chiado

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Xadrez Verbal Focado em política, acumula até 70 000 ouvintes por episódio e costuma falar sobre assuntos atuais, com análises detalhadas (alguns episódios passam de três horas de duração).

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 19 de junho de 2019, edição nº 2639.

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