Barracas de moradores de rua se espalham por pontos da capital
Campings podem ser vistos em locais como a Catedral da Sé, o Viaduto do Chá e a Praça 14 Bis
No meio da Praça da Sé, cerca de vinte barracas e abrigos com lonas e cobertores amontoam-se em uma área. Os ocupantes usaram as árvores para erguer três varais de roupa e, com portas de madeira, construíram uma cozinha e um banheiro. A organização do pedaço inclui até divisão de tarefas. “Costumo preparar arroz, feijão e costela com batata”, diz a vendedora de balas Carla Patrícia de Oliveira, responsável pelo almoço da turma. Ela se estabeleceu ali há um mês, depois de deixar um prédio ocupado que pegou fogo na vizinha Praça Clóvis Beviláqua.
Em agosto, o camping improvisado, que já tinha cerca de quinze pessoas, cresceu com a chegada de outras dez. Esse novo grupo dormia dentro de um chafariz desativado nas imediações e foi despejado de lá por funcionários da prefeitura. “Eles avisaram que iam encher de água de novo por causa da passagem da tocha olímpica”, conta o ex-mecânico Jair Campos.
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Na esteira da atual crise econômica (somente na região metropolitana há 2 milhões de desempregados), esse tipo de aglomeração ocorre em vários outros pontos da cidade. A menos de 1 quilômetro da Praça da Sé, quinze barracas ocupam o vão do Viaduto do Chá, ao lado de um albergue para moradores de rua e em frente ao Teatro Municipal e à própria prefeitura. Até poucas semanas atrás, a Praça Princesa Isabel, na Santa Cecília, também mantinha um portentoso acampamento, com mais de cinquenta barracas, onde se acomodavam imigrantes da Tanzânia e usuários de drogas da Cracolândia.
Em 22 de agosto, no entanto, o local foi esvaziado a pedido do Exército para as celebrações do Dia do Soldado (25) e a formatura de 2 000 cadetes — ali está um dos principais monumentos da cidade, a estátua de Duque de Caxias, o patrono da corporação. Concentrações de abrigos semelhantes podem ser encontradas ainda no Viaduto Guadalajara, na Mooca, e na Avenida dos Bandeirantes, próximo à Rua Ribeiro do Vale, no Brooklin.
Em junho, a administração municipal proibiu os agentes da Guarda Civil Metropolitana de retirar pertences de moradores de rua. No auge do inverno, eles recolhiam até cobertores nas blitze. Depois da morte de cinco sem-teto, a prefeitura sofreu muitas críticas e reviu essa orientação. “Antes o ‘rapa’ levava até nossos remédios. Agora está bem tranquilo ficar por aqui”, conta Raimundo José de Souza, que dorme em uma barraca de camping na Praça 14 Bis, abaixo da Avenida Nove de Julho.
Ela se tornou um dos pontos mais disputados, com cerca de quarenta cabanas. Vários dos ocupantes da região acabaram na rua por falta de vagas no mercado de trabalho. “Não consegui mais emprego. Estou com pneumonia e passando frio”, lamenta a catadora de material reciclável Marlaine Regina Sposito. Ela deixou a cadeia há um ano, após cumprir pena por tráfico de drogas, e agora divide uma tenda com seu “cão de guarda”, o vira-lata Dudu.
Incomodados com a situação, moradores dos prédios vizinhos tentam se articular para reverter o processo. Condôminos do Edifício Guatemala, bem em frente à Praça 14 Bis, cogitaram promover um abaixo-assinado para que a prefeitura instalasse por lá um banheiro químico com o objetivo de reduzir o cheiro de urina nas redondezas. “Boicotei a ideia porque seria mais um motivo para eles continuarem ali”, diz a síndica, Dircea Quintino. “Moro aqui há seis anos e nunca vi nada parecido.”
Das 1 000 reclamações mensais recebidas pela Associação Viva o Centro, aproximadamente 20% referem-se a moradores de rua. “Trata-se de uma ocupação predatória”, reclama Marco Antonio Ramos de Almeida, vice-presidente da entidade. O Conselho Comunitário de Segurança do Centro também registrou, em agosto, um aumento de cerca de 40% nas queixas relacionadas à questão em comparação com o mês anterior. “Estamos perdendo dinheiro com turismo. As pessoas ficam horrorizadas com o abandono de locais como a Praça da Sé”, diz Antonio de Souza Neto, presidente do órgão.
Em nota, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que faz um trabalho com agentes para convencer os 16 000 moradores de rua da capital a dormir nos oitenta centros de acolhida, que ofertam um total de 10 000 vagas. Há outros dezesseis abrigos emergenciais com mais 2 000 leitos espalhados pela cidade, mas metade deles fica vazia toda noite. “Muitas dessas pessoas reclamam da rigidez de regras dos espaços e não conseguem se adaptar”, afirma o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, movimento da Arquidiocese de São Paulo.
Para tentar resolver o problema, a prefeitura flexibilizou os horários de entrada e de saída e os das refeições. Além disso, abriu lugares no centro e na Mooca onde é permitida a presença de casais e de animais de estimação.