Na antessala, é preciso deixar anéis, brincos, celular e relógio, vestir o avental e esconder os cabelos dentro de uma touca de algodão. Os sapatos passam por uma máquina que elimina a sujeira da sola. E as mãos devem ser lavadas com sabonete e desinfetadas com álcool em gel. Do lado de dentro, um amplo salão abriga máquinas que vão do chão ao teto.
Quase não se veem os funcionários. Do interior de uma sala de controle, eles observam a produção por uma parede de vidro. Por uma longa esteira desfilam bandejas cobertas com uma massa marrom brilhante, que pouco a pouco ganha a estampa da marca que fabrica alguns dos melhores e mais valorizados chocolates do planeta: a Callebaut.
Com 7.500 funcionários, endereços em 26 países e volume de vendas de 1,3 milhão de toneladas por ano, a empresa é responsável pelo fornecimento de um em cada quatro produtos que levam chocolate no mundo. Não estranhe se, apesar desses números expressivos, você nunca tiver ouvido o nome. A discrição é um dos pontos fortes da Callebaut — pronuncia-se “calebô”, em flamengo, língua da região da Bélgica em que se situa a matriz. As fábricas dessa grife gourmet fornecem chocolate a algumas das mais reconhecidas chocolaterias do planeta: marcas do porte de Godiva, Neuhaus e Leonidas, cujas microcaixas de bombons ultrapassam 100 euros (cerca de 270 reais), utilizam matéria-prima fabricada em Wieze.
No universo dos bombons de luxo, a Callebaut e suas três conterrâneas (Godiva, Neuhaus e Leonidas) disputam o título de a melhor do mundo com produtores da França e da Suíça. Os franceses sobressaem pela pureza — com alto teor de cacau, seu chocolate costuma ser mais amargo e não leva nenhuma gordura além da manteiga de cacau. Os suíços, de paladar mais adocicado, destacam-se pela qualidade superior do leite. A característica dos belgas é a fineza (a crosta exterior dos bombons costuma ser diferente das camadas imediatamente inferiores e deve ser crocante). “Nossos chocolates não são nem tão doces quanto os suíços nem tão amargos quanto os franceses”, diz Nicole Heremans, coordenadora de relações públicas da Callebaut. Apenas um jeito de desconversar para não revelar o segredo da fórmula.
A capacidade industrial e os laboratórios de ponta estão entre os trunfos da empresa. Por causa de ambos, os confeiteiros conhecem atualmente cerca de 1.000 receitas de diferentes e valiosos sabores. Seus engenheiros são capazes de desvendar o segredo de qualquer massa: das marcas populares Milka e Toblerone, que a Callebaut passou a produzir para a Kraft Foods no ano passado, às mais exclusivas, elaboradas e caras. Nessa última categoria está a linha Terra Cacao, recentemente desenvolvida pelo gerente de inovação Nicholas Camu. Mais puro, o chocolate é obtido de favas de cacau fermentadas naturalmente. “Foram anos de tentativa e erro até conseguirmos aperfeiçoar o processo”, diz Camu.
Na fábrica, as linhas de produção da Terra Cacao e dos demais rótulos não se misturam. Os chocolates com selo de origem (com 100% de cacau da Costa do Marfim, de Gana ou do Congo) ficam em um lugar, os orgânicos em outro, e assim por diante. A ala de bombons com castanhas, por exemplo, fica isolada para que o aroma não interfira nos de outra variedade. Ingredientes selecionados também entram na equação, claro. Utilizam-se apenas cacau de alto grau de pureza e, no lugar de lactose, leite em pó. A alta qualidade resulta ainda das enormes e variadas máquinas, todas em grande quantidade. Isso possibilita que o chocolate permaneça durante muitas horas (o número exato não é revelado nem mesmo aos funcionários) no tambor destinado à conchage. Trata-se do processo em que, dentro de cilindros — os conches —, ingredientes são lentamente misturados para eliminar a acidez característica do cacau. “Quanto mais permanecem ali, maior é a qualidade e, por conseguinte, o preço”, diz Nicole. “Só uma empresa do nosso porte pode dar ao chocolate o tempo necessário.”
Fundada há 100 anos em Wieze, por produtores de leite que queriam desenvolver uma atividade para a entressafra, a Callebaut deu o grande salto ao se especializar no fornecimento da matéria-prima — ela não vende ao consumidor final. Aliás, até produtores franceses e suíços engrossam sua clientela.
De olho nos profissionais, a companhia criou em 1988 uma escola, a Academia do Chocolate. Concursos elegem os mais habilidosos mestres, que viajam mundo afora para conhecer os locais de produção do cacau. Jean-Philippe Darcis tornou-se um desses Ph.Ds. do métier em 2002, após ganhar a medalha de ouro em um concurso em Las Vegas. Todo ano, passa temporadas em Wieze para dar aulas. “Mostro como faço esculturas de chocolate e ensino novas receitas de macaron”, diz ele. Neste mês, o expert embarca para o Brasil para conhecer as duas fábricas da Callebaut, em Minas Gerais e na Bahia. E, quem sabe, revelar alguns dos segredos do savoir-faire belga.