Dita em voz firme e forte, a ordem ecoou pelas paredes da sala vazia do Castelinho da Rua Apa, um casarão abandonado em Santa Cecília, no fim da tarde do último dia 23. “Vocês são irmãos, precisam fazer as pazes!”,esbravejava Rosa Maria Jaques, ao lado de seu marido, João Tocchetto, em uma missão para acalmar os espíritos que estariam atormentando por décadas aquele lugar. Os alvos da bronca da mulher morreram em 1937. Na ocasião, um bate-boca entre Armando e Álvaro dos Reis terminou em uma troca de tiros que culminou na morte de ambos e da mãe deles, um dos crimes mais chocantes da história da cidade. O endereço ficou depois com fama de mal-assombrado. Proprietários da empresa Elo Perdido,especializada em serviços do outro mundo, Rosa Maria e João Tocchetto dizem-se os únicos especialistas capazes de resolver o caso das almas penadas do Castelinho e prometem seguir na missão nas próximas semanas. Para quem desconfia de tanta certeza, o casal costuma recitar um currículo que inclui a resolução de outros episódios cabeludos em quase quarenta anos de trabalho nessa área. “Somos os primeirose os únicos caça-fantasmas do Brasil”, propagandeia Tocchetto. A dupla não cobra nada de pessoas físicas que requisitam seu socorro. Em contrapartida, mostra as experiências dos clientes em seu canal no YouTube, o Visão Paranormal. As produções são uma misturade Ghostbusters, comédia dos anos 80, com Ghost Hunters, série do canal por assinatura Syfy na qual um grupo de americanos sisudos investiga fenômenos inexplicáveis.
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A bordo de uma Volkswagen Parati preta 2005 decorada com caveiras no painel, os especialistas têm percorrido 140 quilômetros de estradas — desde Amparo, cidade no interior do estado, onde moram —, para gravar na capital. Rosa, de 66 anos, que diz ter descoberto seus poderes mediúnicos na infância, é a encarregada dos contatos comos espíritos. Tocchetto, 54, fica ao lado, manejando um arsenal de equipamentos que exigiu um investimento decerca de 20 000 reais. Algumas das engenhocas compradas na Amazon foram desenvolvidas especialmente para profissionais do setor sobrenatural (sim, existe esse mercado), como a almofada térmica. Trata-se de uma esponja fina que seria capaz de materializar a presença do espectro, gravando o formato de sua mão, por exemplo.
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Uma das atuações da dupla ocorreu em 2012, no câmpus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Funcionários da instituição chamaramos profissionais para espantar aparições de pacientes do antigo Sanatório Eldorado, que funcionou ali, entre eles Raul Seixas, internado no local na década de 80. O autor de sucessos como Rock do Diabo era acusado de atazanar o lugar depois de bater as botas. A lenda ganhou impulso quando, certa vez, um guarda noturno viu nos corredores um vulto de guitarra na mão. Saiu correndo e pediu demissão. Para acabar com a maldição “toca, Raul!”, Rosa leu no pátio a letra de uma de suas músicas, No Fundo do Quintal da Escola, que diz “Não sei onde eu tô indo/ Mas sei que eu tô no meu caminho”.O esforço está registrado em um vídeo. Empregados da Unifesp juram que o negócio surtiu efeito.
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Os caça-fantasmas ganham dinheiro fazendo serviços para empresas. Cobram aproximadamente 3 000 reais por mês por consultoria. “A contratação de paranormais por corporações parece exótica no Brasil, mas é comum nos Estados Unidos”, diz a relações-públicas Rosana Beni. Ela conheceu Rosa em 2001, quando a entrevistou no Dimensões, programa que mantinha até o ano passado na Rede Brasil de Televisão. Há dois meses, Rosana promoveu uma apresentação da médium para sessenta pessoas em um restaurante japonês dos Jardins. O tema do encontro parece título de samba-enredo: “A energia do ser humano transformada em força de superação”. Constam também no portfólio da profissional ações para grandes empresas, como palestras sobre temas esotéricos para a equipe de telemarketing da C&A (2001) e de executivos da Perdigão (2006). Em média, cada atividade custa 250 reais por pessoa. Procuradas por VEJA SÃOPAULO, as duas companhias não quiseram comentar o assunto.
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Nascida em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Rosa trabalhou como secretária antes de ganhar a vida como paranormal. Em 1990, prestou serviços de consultoria sobrenatural à agência de publicidade de Tocchetto, na capital gaúcha. Casaram-se em 1996 e ele se tornou sócio e parceiro da mulher. Em 2010, tiveram o maior revés. Passaram oito dias na cadeia, em Brasília, em uma confusão relacionada ao caso do assassinato de José Guilherme Villela, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, de sua mulher, Maria, e da doméstica Francisca Nascimento. Com base em uma dica dada por Rosa, a polícia encontrou a chave do apartamento da família, cenário do crime, em uma casa nos arredores da capital federal. Três pessoas que estavam no local acabaram sendo presas. Mais tarde, porém, a perícia identificou que a chave havia sido plantada no lugar. De colaboradores, Rosa e Tocchetto viraram suspeitos. Foram acusados de atrapalhar a investigação para acobertar a participação da filha de Villela como mandante da chacina. Depois da breve temporada atrás das grades, no entanto, a Justiça os considerou inocentes. Assim, os caçadores do além livraram-se da maior encrenca terrena em que já se meteram.