“Aqui sua bicicleta é bem-vinda”. O simpático slogan, espalhado pelas estações da Companhia do Metropolitano de São Paulo, me deixou um pouco otimista – mas, admito, também desconfiado. A equação metrô+bike funciona? Para responder a pergunta, este repórter deixou as (muitas) preocupações de lado e, pela primeira vez, virou ciclista na cidade.
A estreia, para minha aflição, se daria de uma maneira inusitada. O objetivo do passeio era mostrar o sufoco daqueles que carregam suas bikes à tiracolo todos os dias, de estação em estação. Desde 2007, o metrô permite o uso de bicicletas em suas áreas internas – mas quem pedala ainda sofre com algumas restrições, como a proibição de uso de elevadores e de escadas rolantes na descida.
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Sem as facilidades das ruas largas de Brasília, de onde me mudei há um ano, defini um plano simples para a “aventura”: alugar uma bicicleta e, sem me identificar como repórter, fazer conexões em quatro linhas: a verde, a azul, a vermelha e a amarela. Eu seria uma das sessenta pessoas que, em média, circulam nos dias úteis com bikes nas estações, de acordo com o Metrô. Nos fins de semana, o número sobe para 1,1 mil. Um grupo ainda pequeno se comparado aos 304 mil que pedalam todos os dias para ir e vir em São Paulo.
PRIMEIRO DESAFIO: O aluguel frustrado
Antes de ir à rua, li no site do Metrô as regras de uso de bicicletas, para não cair em armadilhas típicas de esportes radicais. No domingo (14), saí cedo de casa, às 8h, em direção ao bicicletário da Liberdade. O tempo não ajudou – estava nublado –, mas muitos já circulavam na ciclofaixa da Avenida Paulista (clique para assistir a um vídeo sobre o percurso no centro).
Quando cheguei, uma surpresa ruim: o ponto de aluguel estava fechado, sem aviso algum ao público. Ainda tentei outros dois bicicletários: o do Paraíso parecia abandonado, com bikes velhas amontoadas no fundo de uma sala minúscula. No Anhangabaú, nada feito. A área operava apenas como estacionamento.
De acordo com matéria publicada na VEJASAOPAULO.COM, dos vinte bicicletários instalados pelo projeto Nossa Bike, apenas oito funcionam, e precariamente (clique aqui para saber como alugar bicicletas na cidade). No próximo dia 26, de acordo com a assessoria de imprensa do Metrô, será aberta licitação para empresas interessadas em implantar e administrar esses postos de aluguel e estacionamento. A missão, portanto, teve que ser adiada.
SEGUNDO DESAFIO: O começo do percurso, 20h30
No dia seguinte, segunda (15), uma nova tentativa: tive que recorrer ao único serviço de aluguel de bicicletas que funciona regularmente nos dias de semana, o Bike Sampa. Fiz o cadastro no site da empresa e, com uma ligação de telefone celular, destravei uma bicicleta laranja (depois de tentar outras duas, sem sucesso) a poucos metros da Estação Brigadeiro, na Paulista. O percurso começaria ali se, desta vez, eu tivesse sorte.
De segunda a sexta, o Metrô permite o uso de bicicleta em suas áreas internas apenas a partir das 20h30 (veja todos os horários no fim desta matéria). Nesse horário, o movimento já não é tão intenso, mas descer os 45 degraus que dão acesso à estação mostrou-se a primeira grande dificuldade do passeio. Já ali senti a primeira (de muitas) pontada nas costas.
Descer a escadaria exige paciência (são muitos os comentários engraçadinhos dos pedestres), equilíbrio e força –o perigo de cair é bem real. E nem sempre foi tão “simples” assim: até fevereiro de 2012, não era permitido subir com bikes pelas escadas rolantes…
Quando me arrastei ao último degrau, já exausto, a sensação de alívio foi tão imediata que o trajeto parecia ter chegado ao fim. Era só o começo.
TERCEIRO DESAFIO: Estação Brigadeiro, 20h50
Nada mais básico que entrar com uma bicicleta em uma das principais estações da Avenida Paulista, certo? Erradíssimo. O repórter teve que esperar 20 minutos para ser atendido por um funcionário do Metrô, à procura de informações sobre o acesso a ciclistas. “Passo por esse vexame todos os dias”, ouvi de uma senhora, que, também tentava usar o acesso especial.
Sem indicações claras sobre uso de bicicleta (atenção ao discreto guia afixado nas catracas eletrônicas), a estação confunde os ciclistas de primeira viagem. Há duas entradas, uma fixa e a outra eletrônica. Como descobrir por onde entrar? “Ei, você tem que entrar naquela catraca maior ali, não tá vendo?”, gritou uma das faxineiras da estação, assim que me viu tentando usar o acesso fixo. O início do percurso começou com um “puxão de orelha”. Assista ao vídeo:
Vencida a barreira da desinformação, chegamos a mais um momento “parque de diversões”: um lance de escadas ainda mais desafiador que o primeiro. Carregar a bicicleta, que pesa algo em torno de 20 quilos, me parecia inviável. Arrastá-la seria perigosíssimo. Tentei uma combinação dos dois movimentos. Com o coração a mil, e as primeiras dores no joelho, consegui descer. Lá embaixo, ainda ouvi o comentário da funcionária que havia me dado uma bronca minutos atrás. “Você viu um ciclista ali querendo entrar sem pagar?”, fofocou a um colega de trabalho.
Não foi de primeira que encontrei o vagão preferencial. Para minha surpresa, ele estava lotado – por algum motivo misterioso, muitas pessoas optam por esse acesso. Tive que esperar duas viagens para entrar no trem. Lá dentro, vi o único ciclista que eu encontraria durante o passeio inteiro: um velhinho que tirava uma soneca, com sua bike pequenina encostada no cantinho do trem. Assista ao vídeo:
QUARTO DESAFIO: Paraíso e Sé, 21h10
Os passageiros não pareciam se incomodar com a minha presença no trem. Muitos, no entanto, me olhavam como se eu estivesse empurrando uma nave espacial. A presença de ciclistas no metrô ainda provoca certo estranhamento.
Apesar dos lances inevitáveis de escadas rolante, não foi penoso fazer a conexão para a Estação Sé, uma das mais concorridas da cidade. Às 21h, o movimento é tranquilo, com vagões quase vazios e muito espaço para acomodar a bike. Ao entrar, porém, tive que me apressar para que a porta não prendesse a bicicleta.
A viagem, apesar de curtinha, mostrou-se a mais tensa. A cada arrancada do trem, as rodas ameaçavam esbarrar nos passageiros. Uma adolescente me encarou, talvez com medo de ser atropelada em pleno Metrô. Lição da hora: ciclistas devem aprender a lidar com os olhares tortos dos passageiros.
QUINTO DESAFIO: República, 21h20
A conexão entre a linha vermelha e a amarela na Estação República mostra que, no Metrô, o nível de dificuldade sempre pode aumentar para bikers. Depois de “escalar” os dois lances altos de escadas rolantes – com dores no joelho e nas costas -, notei que os sensores eletrônicos que funcionam como uma espécie de fronteira entre as duas linhas não tinha acesso especial para bicicleta: tive que erguê-la para não arranhar o patrimônio.
A boa notícia é que, na linha amarela, pela primeira vez, recebi informações rapidamente de duas seguranças, que apontaram o vagão de ciclistas. No trem, o passeio transcorreu sem dores de cabeça – com pouco tempo de prática, o ciclista aprende os truques para não ser surpreendido por uma freada brusca.
Entre as linhas testadas, a amarela, concessionada pela empresa Via Quatro, foi a que ofereceu melhores condições para o ciclista: há muitos funcionários e eles estão sempre dispostos a ajudar. O problema é que a própria estrutura das estações, com escadas altíssimas, transformam a conexão em uma espécie de Everest dos ciclistas. Não tente enfrentar a estação Pinheiros, por exemplo, sem antes praticar alguns minutos de alongamento. Assista ao vídeo:
SEXTO DESAFIO: Paulista e Consolação, 21h30
A ligação entre a estação Paulista e a Consolação se assemelha a um rali. Primeiro, há um lance de escadas rolantes (nível de dificuldade médio). Depois, é preciso carregar a bicicleta por um longo percurso até que se chegue a uma barreira de sensores eletrônicos e, por fim, às esteiras rolantes. E que não falte fôlego, já que, por causa da conexão entre as linhas verde e amarela, fica cheia até em horários menos estressantes.
Sem saber se as esteiras eram recomendáveis ou não para ciclistas (como sempre, há poucos avisos específicos para quem usa bicicleta no metrô), preferi usar a pista fixa, com pequenas elevações. Uma escolha acertada, creio eu: ali, o risco de acidente parece ser bem menor. Assista ao vídeo:
Na Consolação, o maior problema é “brigar” por espaço com os passageiros. A estação raramente fica vazia, e há sufoco até nos vagões especiais – no dia do passeio, a sinalização para bikers estava escondida por pinos de ferro. A viagem, no entanto, foi mais calma que o esperado.
SÉTIMO DESAFIO: Trianon-Masp, 21h40, e casa!
Os últimos lances de escadas rolantes foram os mais doloridos: depois de subir a Estação Trianon-Masp, ainda é preciso força para empurrar a bike até a Avenida Paulista. O acesso aos postos para aluguel das bicicletas também não é dos mais práticos – o mais próximo fica a duas quadras da estação. Às 22h, o horário-limite para encerrar a locação, o passeio chegou ao fim.
Ficou a pergunta: o repórter usaria a combinação metrô+bicicletas diariamente, para voltar para casa após o trabalho? Não. Apesar da ótima ideia de receber bem o ciclista, as estações da cidade ainda não oferecem uma estrutura satisfatória para que o biker (especialmente aquele que ainda não se ambientou ao percurso) não se sinta como um intruso, perdido em meio a escadas rolantes e sem orientação dos funcionários. Segundo a assessoria de imprensa do Metrô, são realizadas periodicamente reuniões com ciclistas e ativistas para ouvir reivindicações e facilitar o acesso ao sistema. “A Companhia do Metrô está sempre disposta a ouvir sugestões”, informa a nota. Não há, porém, planos de melhorias a curto prazo.
Ainda assim, a experiência mostrou que, com adaptações na estrutura das estações (elevadores liberados para ciclistas, por exemplo, ou pistas para que se movimente as bikes ao lado das escadas fixas) e vagões exclusivos, seria possível até ampliar o horário de uso de bicicletas. Falta que se leve ao pé da letra aquele slogan que enfeita as estações: “Aqui sua bicicleta é bem-vinda”.
Horários para uso de bikes:
No metrô: de segunda a sexta, a partir das 20h30. Sábados, a partir das 14h. Domingos e feriados, o dia inteiro.
Na CPTM: sábados, a partir das 14h. Domingos e feriados, o dia inteiro.
FICA A DICA
- No Metrô, o mais difícil para o ciclista é subir as escadas fixas e rolantes. Tome cuidado: suba com freios apertados e não deixe as rodas encostarem nas extremidades das escadas rolantes. Caso isso aconteça, você pode perder o controle da bike e provocar acidente
- Para entrar nas estações, peça sempre ajuda a um funcionário, já o procedimento das estações nem sempre é o mesmo
- O acesso para ciclistas nos trens fica sempre no último vagão
- Ao descer escadas fixas, redobre o cuidado: toda força é pouca para que a bicicleta não escape das mãos
- Sempre espere para entrar em vagões vazios. Pode levar tempo, mas os passageiros sem bicicleta têm prioridade – e qualquer esbarrão pode se transformar em briga
REGRAS PARA USO DE BICICLETA NO METRÔ
- Cada usuário pode transportar uma bicicleta convencional, não motorizada e limpa
- Nos acessos às áreas internas das estações, empurre a bicicleta, mantendo-a sempre ao seu lado
- Menores de 12 anos com bicicletas devem estar acompanhados de pais ou responsáveis
- Antes de validar seu bilhete, avise a um funcionário que está portando a bicicleta, para liberação do portão/cancela
- Nas escadas fixas, carregue sua bicicleta ao subir e descer. Nas escadas rolantes, o transporte é permitido apenas para subir. Como medida de segurança, suba com os freios acionados. É proibido o transporte de bicicletas em elevadores.
- Embarque a bicicleta somente no último vagão, dando prioridade aos outros usuários
- Ao embarcar com a bicicleta, fique distante da porta, facilitando o acesso dos passageiros
- São de responsabilidade do ciclista os danos causados aos outros usuários, a si próprio ou ao patrimônio público, trens e estações
- No metrô e nos trens da CPTM são permitidas quatro bicicletas por viagem
- O Metrô e a CPTM não se responsabilizam por sua bicicleta
COMO FUNCIONA EM OUTROS PAÍSES:
- MADRI, ESPANHA: É permitido transportar a bicicleta em elevadores, escadas rolantes e passarelas móveis
- WASHINGTON, ESTADOS UNIDOS: os ciclistas são proibidos de usar as escadas, sejam normais ou rolantes, exceto em casos de emergência a ser analisado pelo funcionário do metrô. São obrigados a usar os elevadores
- HOLANDA E DINAMARCA: canaletas nas escadarias são comuns
- TÓQUIO, JAPÃO: canaletas são automatizadas, carregando a bicicleta escada acima. Basta segurá-la enquanto você acompanha andando ao lado dela
Fonte: Ciclo Liga