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Bicões paulistanos: “Só não entra quem não tenta”

Quem são, o que fazem e como agem os penetras que furam as festas mais badaladas da cidade

Por Maria Paola de Salvo
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h36

São Paulo não dorme. Em vez de ir para cama, cai na festa. E festa é o que não falta. Há diariamente pelo menos quinze eventos fechados na cidade, entre exposições, lançamentos de produtos, aniversários e casamentos. Além de reunirem gente bonita (e famosa), essas baladas costumam oferecer bebida boa – nas melhores, champanhe, vinhos finos e uísque 12 anos –, mais salgadinhos, pratos e doces de primeira. Combinação perfeita para aguçar o faro e o apetite de um personagem cada vez mais comum na noite paulistana: o penetra profissional. Para usufruírem tantas oportunidades de boca-livre, os chamados bicões fazem de tudo. Caras-de-pau por natureza, não se constrangem diante de seguranças grandalhões nem de hostesses empinadas que só abrem as portas para a mordomia diante de três chaves: o nome na entrada, um convite nominal ou uma pulseirinha colorida com a sigla VIP. “Quando vejo, já estão no meio da pista de dança dos eventos mais restritos”, afirma o promoter Helinho Calfat. “É inacreditável como são hábeis!”

Os bicões paulistanos não têm a aura de charme dos protagonistas do blockbuster Penetras Bons de Bico, os advogados interpretados por Owen Wilson e Vince Vaughn. É verdade que, assim como os personagens do filme, capricham no visual. Os homens vestem terno ou, se a balada pede, jeans e paletó fashion. Já as mulheres apostam no pretinho básico. A regra é não chamar atenção, nem no visual nem no comportamento. Há grupos na faixa dos 30, 40 e 60 anos. “Tem senhores que chegam superarrumados e você fica até sem graça de barrá-los”, conta a promoter Fernanda Barbosa. “Mas não posso permitir a entrada.”

Restritas e concorridíssimas, festas da revista Vogue e da joalheria Tiffany, entre tantas outras, são um chamariz para esses invasores. Alguns, diga-se, às vezes nem sabem bem aonde estão indo. “Uma senhora me perguntou se era a festa do Titanic, numa referência à Tiffany, acredita?”, diverte-se Michele Martins, recepcionista de eventos de luxo há quatro anos. “Alguns passam por jornalistas de publicações que nem sequer existem.” Os mais ousados dizem ser da Polícia Federal ou da Assembléia Legislativa e, quando barrados, saem aos gritos: “Você sabe com quem está falando?”. A encenação às vezes cola. Para evitarem barracos na porta, as hostesses liberam a passagem. Uma vez dentro da festa, o bicão profissional aciona os amigos pelo celular. “Damos as coordenadas de como entrar ou avisamos que a coisa está complicada”, conta o publicitário Paulo Passos, de 35 anos, que se orgulha de ter furado eventos durante trinta semanas consecutivas – façanha que incluiu a noite do Prêmio Avon Color, no Hotel Unique, em julho, da qual Reynaldo Gianecchini e Daniela Escobar foram os apresentadores, e o lançamento da linha de produtos de beleza Jequiti, de Silvio Santos, no mês passado.

Passos diz que atua na empresa da família e entre seus amigos penetras há administradores e vendedores que em nada lembram o durango em busca de um jantar ou coquetel grátis. O que os atrai são as pessoas famosas e bonitas. “Cansei de ir a barzinhos. É sempre a mesma coisa”, afirma o comerciante Paulo Roberto (ele é um dos muitos que preferem ocultar o sobrenome – aliás, o anonimato é uma das regras de ouro de boa parte dessa turma). “Vou a duas ou três festas por noite.” Para não deixarem escapar nenhuma boquinha, os penetras seguem um ritual diário: vasculham as notinhas e as agendas das colunas sociais dos principais jornais e sites de celebridades. “As melhores festas são as com mais de 1 000 convidados”, acredita o vendedor Marco Aurélio Silva, de 39 anos. “Pulamos fora das vazias, onde o risco de ser notado é maior.” Entre as centenas de eventos que garante ter furado, sua maior conquista foi ter assistido, em setembro, ao Video Music Brasil, organizado pela MTV. “Não posso entender como ele conseguiu”, admira-se o promoter Helinho Calfat. “Nem celebridade entra sem cartão magnético”, diz ele, indignado. “Usei a tática do Cavalo de Tróia”, explica Silva. “Aproveitamos a muvuca do entra-e-sai para nos infiltrarmos.”

Considerado o papa dos bicões, Waldo Barreto Junior, de 49 anos, o Focca Barreto, que se apresenta como empresário e sócio do Clube das Mulheres, desenvolveu as próprias técnicas para invadir festas e ser fotografado ao lado de um famoso. Penetra desde os 15 anos, chega a freqüentar de dois a três eventos por noite e coleciona um acervo com mais de 2 000 retratos ao lado de gente conhecida. Ao contrário da maioria dos bicões, não vai em busca de comida, bebida ou brinde. Seu desafio é marcar presença nos lugares mais restritos e impossíveis. “É até meio patológico. Eu preciso estar no lugar mais vip entre os vips, e faço de tudo para isso”, diz. Seus maiores troféus são as invasões de dois eventos com fortíssimo esquema antipenetra: o antigo camarote da Brahma do GP Brasil de Fórmula 1, em 1993, e a festa dos dez anos da revista Caras, em 2004, com show de Roberto Carlos. Restrita a cerca de 1 500 vips, a megaprodução no Teatro Municipal era monitorada por seguranças e hostess que checavam cada convite. Para driblar tudo isso, ele se fez passar por músico de Roberto Carlos. Entrou na sala de concentração da banda e em alguns minutos já estava na cozinha do evento. Apanhou uma taça de champanhe e foi para a porta clicar os famosos.

A atividade de penetra tem seus nichos de mercado. O vendedor Marcus Martinez, de 27 anos, é especialista em furar a São Paulo Fashion Week, o mais importante evento da moda brasileira. Depois de ter comparecido a cinco edições, sabe-se lá como, ele virou um habitué das passarelas. A ponto de ter assistido a desfiles na primeira fila, a mais exclusiva e disputada. O segredo de tamanho privilégio? “Conversar, ser simpático e ter paciência”, enumera, exibindo fotos dele com a top Ana Hickmann. Sua habilidade de vendedor de colchões ajuda a convencer seguranças e lojistas, que às vezes lhe escorregam credenciais. Entre um desfile e outro, aproveita a chance para tentar uma oportunidade de emprego. Diz já ter sondado o publicitário Nizan Guanaes e o apresentador Otávio Mesquita pessoalmente, mas sem nenhum sucesso. “Só não entra quem não tenta”, repete ele.

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Já a analista Adriana B. (que também prefere não se identificar), de 23 anos, adora se esbaldar na pista de dança de casamento alheio. E não faz cerimônia em levar na bolsa alguns brindes como prova. “Não vejo problema porque nesses eventos sempre sobra comida.” Com o namorado a tiracolo, semanas atrás furou seu décimo casório. Ela fica de olho nas igrejas Nossa Senhora do Brasil, no Jardim Paulistano, e da Cruz Torta, no Alto de Pinheiros, e escolhe a festa pelos carros estacionados na porta. Só vai às que têm máquinas importadas. Para ela, participar de casamento “é mais fácil que roubar doce de criança”. Seu truque: “Basta ir para a fila do estacionamento, entrar no salão e manter distância dos noivos”, diz Adriana, que se gaba de nunca ter sido expulsa.

Nem todos são discretos como ela. No ambiente um tanto intelectualizado dos vernissages e exposições culturais reina um certo “Peito de Pombo”, lendário paulistano odiado pelos organizadores de eventos. Sempre de peito estufado – daí o apelido, pois o nome ninguém ainda descobriu –, ele tem o mau hábito de beber todas e atrapalhar os convidados e os fotógrafos da noite, que já o viram ser expulso na marra pelos seguranças. Eles não são os únicos a sofrer com a indiscrição. Silvana Giangrande, assessora de comunicação que tem entre seus clientes empresas como Louis Vuitton e Veuve Clicquot, sabe bem disso. Numa festa no MuBE, viu uma senhora se aproximar de uma mesa de doces da confeiteira carioca Nininha Sigrist e encher a bolsa. “Pedi a ela que se retirasse e a mulher começou a dar escândalo”, lembra Silvana. “Dois meses depois, ela me processou por danos morais.” A promoter levou um ano para vencer a batalha judicial contra a bicona. “Um cliente que costuma gastar de 1 000 a 1 200 reais por pessoa num evento, com champanhe Veuve Clicquot e bufê criado pela banqueteira Neka Menna Barreto, por exemplo, não quer bancar a mordomia de bicões”, diz ela. Descobriu depois que a mesma penetra briguenta tinha acionado outras promoters na Justiça. E pelo mesmo motivo. “Virou negócio dos bons: se ganham, podem levar até 5 000 reais de indenização”, afirma Silvana, que depois disso resolveu preparar munição contra eles. Ajudada por outros profissionais, elaborou um dossiê com a foto de todos os penetras “procurados” e o espalhou entre promoters, recepcionistas e seguranças. Tudo para dificultar sua ação. Mas, pelo jeito, os organizadores de festas continuarão tendo muito trabalho para mantê-los longe dos paraísos da boca-livre.

O rei dos penetras

Waldo Barreto Junior, conhecido como “Focca”, é penetra desde os 15 anos. Tem duas obsessões: entrar em eventos vip e ser fotografado ao lado de famosos

Em 2000, no Carnaval, Focca entrou num disputado camarote na Marquês de Sapucaí dizendo ser amigo do empresário Álvaro Garnero. E ainda posou ao lado de um constrangido Lula, então pré-candidato à Presidência

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Em junho de 2004, ele furou a segurança do Palácio dos Bandeirantes para assistir, todo pimpão, à pré-estréia do filme Pelé Eterno. Antes, saiu em foto com o governador Geraldo Alckmin

Para entrar no camarim da top Gisele Bündchen, durante desfile da São Paulo Fashion Week em 2001, Focca se disfarçou de fotógrafo

O passo-a-passo dos bicões

Antes dos eventos…

…lêem diariamente as colunas sociais e sites de celebridades para saber o que rola de interessante na cidade.

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…ligam para os organizadores do evento e tentam arrancar o máximo de informações: número de convidados, duração e estilo da festa. Esses dados ajudam a compor o visual.

…tiram o terno, o vestido (quase sempre um pretinho básico) ou o jeans descolado do armário. O importante é não destoar do traje dos convidados.

Na porta…

…procuram entradas alternativas, principalmente as usadas por funcionários. Alguns se passam por músicos ou garçons.

…observam quem comanda a festa (torcem por uma hostess distraída) e ficam de olho no comportamento de outros bicões.

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…tentam ver a lista de convidados e, se der certo, falam o primeiro nome que aparecer lá.

…auto-intitulam-se jornalistas e, em alguns casos, apresentam credenciais de veículos que não existem.

…quando há muitos famosos convidados, aplicam a técnica “Cavalo de Tróia”: infiltram-se nesses grupos de celebridades e seus séquitos para ultrapassar a barreira.

…fazem plantão na saída à espera de algum convidado que esteja indo embora e se disponha a dar a pulseira ou o cartão a eles.

…jamais pedem permissão. O lema é: “Pediu, não entrou”.

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…se nada funcionar, oferecem uma caixinha ao segurança.

Durante a festa…

…assim que entram, ligam para os amigos penetras.

…tentam se dispersar, comer e beber sem conversar com os outros convidados.

…procuram manter distância dos demais bicões do grupo.

…se são convidados a se retirar, não dão escândalo.

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