O trânsito lento e fatigante da metrópole, engrossado por milhões de paulistanos que são obrigados a fazer longas travessias entre sua casa e o local onde trabalham, é apenas um dos sintomas do evidente improviso com que crescemos ao longo de décadas. É um conceito elementar de planejamento urbano que a superconcentração de empregos em pequenas áreas torna as grandes cidades cada vez mais inviáveis. Um estudo liderado pelo economista Tadeu Masano dá uma dimensão precisa de como São Paulo se expandiu de forma desordenada entre 2000 e 2010. Professor do Departamento de Mercadologia da Fundação Getulio Vargas (FGV) e presidente da consultoria Geografia de Mercado, ele se debruçou sobre dados das últimas edições do censo populacional do IBGE e em levantamentos próprios sobre o mercado imobiliário. Um exemplo: dos cerca de 800.000 moradores que a capital ganhou no período, 600.000 fixaram residência na periferia — e apenas 57.000 na região central (que engloba bairros como Bela Vista, Cambuci e Consolação).
Em outra frente, o mapa da expansão dos empregos expõe essas contradições: 60% dos prédios de escritórios surgidos na década foram construídos em uma área de cerca de 80 quilômetros quadrados — o equivalente a 5% do território da cidade —, delimitada por bairros como Pinheiros, Vila Mariana, Campo Belo e Morumbi. Encravado entre eles, o Itaim concentrou quase 30% dos lançamentos do gênero. Resultado: atualmente, mais de um terço dos empregos formais de São Paulo está condensado nesse mesmo perímetro. “Os dados obtidos evidenciam que as regiões nobres estão sendo cada vez mais tomadas por empreendimentos comerciais e que a população de baixa renda só tem conseguido achar moradia em lugares muito afastados”, afirma Masano. “Trata-se de um sintoma inequívoco da falta de planejamento por parte da prefeitura, pois a configuração urbana atual obriga milhares de paulistanos a atravessar a cidade diariamente para trabalhar.”
Convertida nos últimos tempos a centro nervoso da capital, a região do Itaim sente cada vez mais o peso de concentrar tanta gente durante o dia, o que deve servir de alerta para o poder público. “É preciso reverter esse processo, sob pena de os congestionamentos e a falta de vagas de estacionamento nas redondezas se tornarem impraticáveis”, adverte o professor da FGV. O levantamento também aponta os locais que agruparam a maior parte dos prédios e casas residenciais de alto padrão da última década. Vizinha ao Morumbi, a Vila Andrade aparece na dianteira desse ranking — o bairro recebeu 12,7% dos novos imóveis dessa categoria, seguido por Moema, com 10,9%.
Lia Lubambo
Vila Andrade, na Zona Sul: campeã de empreendimentos de luxo
+ Trânsito: o maior problema de São Paulo+ Enchentes causam transtornos em São Paulo há mais de um século+ Eleja as maiores roubadas em São Paulo+ Xaveco Virtual: nossa ferramenta para paquerar no Twitter
Virar o jogo não é tarefa simples, mas seria mais viável se a devida atenção fosse dada ao Plano Diretor Estratégico. Trata-se de um conjunto de bases para o desenvolvimento da cidade, com regras para a expansão imobiliária e para a concentração de transporte público, por exemplo. Implantado em 2002, o plano vigente deveria ter sido revisto em 2007, mas até agora diversas manobras na Câmara Municipal adiaram a votação do projeto. Sua atualização poderia ajudar a impedir que os problemas atuais se agravassem no futuro.
“Previstas na lei atual, as operações urbanas, que autorizam as empreiteiras a construir acima do permitido em alguns trechos em troca de pagamento, contribuíram para transformar regiões como a Avenida Faria Lima na última década”, aponta a arquiteta Marta Dora Grostein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Mas essas operações deveriam ter sido utilizadas na melhoria da infraestrutura de bairros mais periféricos, algo crucial para fomentar novos empregos nessas áreas.” Para a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da gestão atual, dez anos é um período curto para avaliar o impacto das políticas das últimas décadas.
Almeida Rocha/FolhaPress
Grajaú, no extremo sul: o distrito abriga 361.000 pessoas
O urbanista Jorge Wilheim, um dos responsáveis pelo Plano Diretor atualmente em vigor, faz uma ressalva. Segundo ele, mais do que rever a lei, é preciso colocar em prática o que já está no papel. “Basta seguirem o que está escrito lá”, afirma. “O documento previa a instalação de novos corredores de ônibus ligando o centro à periferia, para minimizar os atuais problemas de mobilidade, e o estabelecimento de regras de ocupação no âmbito de cada subprefeitura, o que não foi feito.” O fato é que ficou tarde demais para a revisão. A lei prevê que um novo Plano Diretor deverá ser implantado no ano que vem. Espera-se que até lá os vereadores tomem consciência de que de suas diretrizes dependerá boa parte do futuro de São Paulo.
Onde mora o PIB
Bairros com mais lançamentos de alto padrão*
Vila Andrade (Zona Sul) 12,7%
Moema (Zona Sul) 10,9%
Vila Mariana (Zona Sul) 6,4%
Santo Amaro (Zona Sul) 6,1%
Morumbi (Zona Sul) 5,8%
*Em área construída