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Último desfile na Avenida Tiradentes marcou Carnaval com polêmicas e chuva

Há 34 anos, a via no Centro da capital paulista se despedia como palco das escolas de samba

Por Pedro Carvalho
9 fev 2024, 06h00
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Na foto, escola de samba Camisa Verde e Branco.  (Acervo SPTuris/Divulgação)
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Às 21h, o puxador de samba Ernesto Teixeira, da Gaviões da Fiel, pegou o microfone e abriu a noite — “Sem fronteira sem limites / solto as asas da imaginação…”. A chuva forte ensopava as 24 000 pessoas que assistiam das arquibancadas provisórias, montadas nas pistas laterais da via, o que sempre embolava o trânsito da região. Era 24 de fevereiro de 1990, sábado, último desfile das escolas paulistanas do Grupo Especial na Avenida Tiradentes, no Centro, que serviu de palco do evento entre 1977 e a abertura do Sambódromo do Anhembi, em 1991.

Assim começava um Carnaval marcado por um aguaceiro bíblico, trapalhadas na passarela e polêmicas na apuração, mas que deixaria saudades pelo calor humano que um desfile no meio da cidade proporcionava. “Foi tanta chuva que afetou a afinação dos instrumentos. Eles ainda eram de couro, que lasseia quando molhado. A bateria sentiu”, diz Teixeira.

Naquele ano, a Gaviões — estreante na elite do samba — acabou rebaixada junto com a Pérola Negra, que simplesmente passou pela avenida sem carro alegórico nenhum. A escola culpou a Anhembi Turismo, promotora do evento, por supostamente não ter providenciado o transporte das alegorias.

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Desfile da Gaviões da Fiel na Tiradentes (Acervo SPTuris/Divulgação)

A Nenê de Vila Matilde também levou somente dois carros — um dos que faltaram, dado por perdido, seria encontrado dias depois na Avenida Rio Branco. “Só caímos porque as atas dos desfiles sumiram e um jurado deu nota dez a uma escola que merecia uma punição, mas justificou dizendo que ela ‘tinha tradição’ ”, afirma Teixeira. Nem a presença de Isadora Ribeiro entre as destaques, atriz que inebriava o Brasil na abertura da novela Tieta, salvou os alvinegros.

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A chuva caiu por quase todo o desfile. Às 2h da madrugada, a Rosas de Ouro, uma das duas campeãs daquele ano, agitou a arquibancada com um samba de refrão fácil e esperto: “Tem farofa na areia / Desce a serra é beira-mar…”. Às 3h, durante o desfile da Leandro de Itaquera, a água ameaçou inundar a pista. O temporal, como por mágica, deu uma única folga: no desfile da Vai-Vai, já depois das 4h. “O pessoal me dizia, inconformado: ‘não é possível, só não choveu em vocês’”, relembra o puxador Thobias da Vai-Vai. A escola do Bixiga, porém, não evitou um corre-corre após o carro abre-alas prender uma roda no asfalto da avenida.

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Na foto, escola de samba Rosas de Ouro (Acervo SPTuris/Divulgação)

A outra campeã, a Camisa Verde e Branco, desfilou sob clima de redenção. O presidente, Carlos Alberto Tobias, havia morrido dias antes, mas a escola transformou o luto em motivação na Tiradentes. O samba dava um “bye bye” ao ex-presidente José Sarney. Por pouco o título não escapou: uma destaque surgiu nua em um carro alegórico que representava o garimpo — veja só — de Serra Pelada. No regulamento, aquilo custaria pontos ao quesito fantasia, mas ela foi coberta a tempo por um sobretudo. Em uma época em que as dez escolas se apresentavam em uma única noite e atrasos eram mais tolerados, a Camisa fechou a folia com dia alto.

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Na foto, escola de samba Rosas de Ouro (Acervo SPTuris/Divulgação)

Além de propagandas do extinto Banespa, os cartazes na Tiradentes mostravam uma campanha da prefeitura: “Camisinha, vista essa fantasia” — 30 000 preservativos foram distribuídos na avenida. Ao longo do feriado, a cidade registrou índices de violência típicos daqueles anos 1990: 39 assassinatos, 23 corpos encontrados, 24 incêndios, 17 estupros, 12 afogamentos e 6 suicídios. Então secretário de Segurança Pública, Luiz Antônio Fleury Filho declarou que a situação esteve “sob controle”. A prefeitura havia interditado 79 clubes — como o Hebraica e o Espéria — por problemas com alvarás ou segurança, mas os bailes aconteceram normalmente graças a liminares da Justiça.

Quem viveu a última festa da Tiradentes recorda com carinho a proximidade do público e a qualidade dos enredos. “As arquibancadas eram bem próximas da gente. No caminho para lá e na concentração, você ficava cercado do ‘povão’, o que não acontece mais. Ao final, todos iam para os botecos da avenida”, diz Teixeira. “Os sambas eram melhores, tinham mais poesia. Hoje, são feitos por muitos compositores em conjunto. Ficaram incompreensíveis”, conclui Thobias.

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Na foto, escola de samba Unidos do Peruche (Acervo SPTuris/Divulgação)

Publicado em VEJA São Paulo de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

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