Por volta das 6 e meia do último dia 6, quatro homens e um adolescente invadiram a espaçosa casa de três andares onde o administrador de empresas M.K., de 45 anos, vive com os pais, japoneses, no bairro da Aclimação. Os três foram rendidos, tiveram as mãos e os pés amarrados, receberam socos e por duas longas horas sofreram com a ameaça de revólver e facas.
“Faziam de tudo para aterrorizar”, lembrou o morador à repórter de VEJA SÃO PAULO, enquanto ainda arrumava, três dias depois, a residência, toda revirada. “O crime foi premeditado, eles sabiam que tipo de família vivia aqui.” Os bandidos levaram seis malas com 130 000 ienes e 1 500 dólares (cerca de 9 000 reais no total), além de roupas Adidas e Under Armour e perfumes Chanel, Dior e Calvin Klein. Em fevereiro, em um prédio no mesmo bairro, uma família chinesa sofreu um prejuízo de 300 000 reais em um assalto.
Os dois casos que envolvem membros de comunidades de países orientais não foram mera coincidência. Esse perfil de vítima tornou-se frequente na capital nos últimos meses, sobretudo em famílias de classe média alta chefiadas por profissionais que costumam guardar dinheiro vivo em casa, como empresários do comércio popular da região central. O número de roubos a residências de imigrantes ou descendentes de chineses, japoneses e coreanos em bairros dessa área cresceu 40% em relação a 2016, segundo a Polícia Civil.
Foram registradas dezenove ocorrências de janeiro a maio em dez delegacias. Hoje os orientais representam um terço das vítimas desse tipo de crime por ali. No ano passado, esse índice era de 22%. A situação real, no entanto, pode ser ainda pior. Investigações apontam a existência de outros trinta casos que não teriam sido notificados formalmente — uma hipótese para o fenômeno é que o dinheiro roubado não havia sido declarado pelas vítimas.
Os campeões em notificações são Cambuci e Aclimação, bairros que, juntos, somam seis assaltos. O pedaço mais sensível fica próximo à Paróquia Nossa Senhora do Carmo. “Há ali vários imóveis disponíveis para aluguel, e os bandidos aproveitam a falta de movimento para acessar os terrenos vizinhos”, diz o delegado Glaucus Vinicius Silva, titular do 6º DP, no Cambuci.
Um esforço conjunto entre dez delegacias da área central e o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) identificou diferentes gangues que estariam atuando nos crimes. A dificuldade para manter os ladrões atrás das grades? Quase todos são adolescentes, entre 14 e 17 anos, de classe média.
Para ter acesso facilitado aos condomínios, eles criam laços de amizade com jovens das famílias moradoras, ou se passam por parentes delas, e sempre chegam bem vestidos. A identificação das vítimas se dá de forma prosaica. Os sobrenomes japoneses e chineses são pesquisados em listas de clientes de operadoras de telefonia, disponíveis na internet.
Desde o início do ano, onze menores chegaram a ser pegos pela polícia — um deles descendente de orientais. Um dos rapazes circulava de Audi na cidade. “Infelizmente, suspeitos dessa idade são logo liberados”, diz o delegado Ronaldo Sayeg, da 4ª Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Condomínios e Residências, do Deic.
Alvo de alguns ataques, o condomínio The Parker, na Aclimação, que tem boa parte dos 246 apartamentos ocupados por famílias de ascendência oriental, redobrou a vigilância. Após uma sequência de quatro ocorrências em 2017, a administração investiu em ações como reforçar a estrutura das grades. Empresa responsável pela segurança no local, a Haganá também instalou um sistema de monitoramento remoto por imagens. Uma câmera grava o rosto das pessoas que entram no prédio e armazena as informações na central da companhia, na Barra Funda.
O condomínio ainda estuda a inclusão de um equipamento de reconhecimento facial para destravar uma das entradas apenas para quem está cadastrado. “Boa parte das ocorrências que chegaram recentemente à empresa envolve vítimas orientais”, diz Samuel Rubens Pereira, diretor da Haganá. “Neste ano fechamos contrato com três grandes condomínios da Aclimação e do Cambuci.” Quem mora em casas do entorno também vem tomando medidas de proteção.
Descendente de japoneses, o engenheiro Nelson Juniti Nakamura criou neste ano o grupo Vizinhança Solidária e espalhou placas com o nome da iniciativa pelas ruas. Conectados por meio de WhatsApp, moradores de 200 residências trocam informações sobre movimentação suspeita. “Resgatamos o conceito de cidade do interior, onde os vizinhos se ajudam”, afirma.