Nesta semana, a divulgação dos relatórios de uma auditoria da Ernst & Young nos contratos entre a prefeitura e as catorze empresas que operam o sistema de ônibus na cidade mostrou que o serviço deficiente prestado por essas viações ocorre à custa de dinheiro público mal empregado. Uma das constatações é que 10,5% das viagens programadas não são realizadas. Ou seja: enquanto os consórcios economizam com gasolina, manutenção e empregados, os coletivos saem mais lotados para absorver o excedente de passageiros. Com isso, chegam a embolsar 370 milhões de reais por ano indevidamente, cobrando por algo que não entregam.
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A última licitação que definiu o funcionamento do setor foi lançada pela ex-prefeita Marta Suplicy, em 2003, e expirou no ano passado. Fernando Haddad chegou a lançar uma nova concorrência, com a previsão de gastos de 46 bilhões de reais em quinze anos. Em meio aos protestos contra o aumento da tarifa do transporte, decidiu prorrogar o contrato vigente em caráter de emergência enquanto tentava abrir a “caixa-preta” do segmento, que realiza 9,8 milhões de embarques por dia: afinal, quanto lucram as companhias? Elas usam bem os recursos que recebem? Nas últimas semanas, as respostas começarama vir à tona a conta-gotas. De posse das informações colhidas, o prefeito prometeu rever os acordos e remodelar toda a malha antes de julho de 2015. Na tarde de quinta-feira (11), foi divulgado que as viações lucram, em média, 18%. A ideia é apertar essa margem e estudar se essa economia pode aliviar o aumento do preço do bilhete— nos bastidores, fala-se de reajuste de 3 para 3,40 reais.
Também poderia sobrar dinheiro para melhorias no serviço, que está muito longe de oferecer um conforto razoável. Entre as reclamações feitas de janeiro a outubro deste ano na ouvidoria municipal, os principais motivos são a demora excessiva para a chegada do coletivo, a negativa do motorista de embarque ou desembarque e outras situações de conduta inadequada de operadores. A SP Urbanuss — sindicato que representa as empresas e nunca se posicionou contra a auditoria — afirma que o treinamento dos profissionais é constante. Na última terça-feira(9), a reportagem de VEJA SÃOPAULO percorreu as três linhas campeãs de queixas e constatou problemas que vão de gente sentada nos degraus, tamanha a lotação, a relatos de baratas pelos carros (confira abaixo).
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Para a administração, houve melhora no conjunto devido às faixas de ônibus, que aumentaram a velocidade média de 12 para 20 quilômetros por hora. Apesar da criação de 350 quilômetros de vias exclusivas, Haddad fica devendo nos corredores, mais efetivos: dos 150 quilômetros prometidos para 2016, só 37 estão em obras atualmente. “Mas não há solução simples”, defende-se o diretor de operações da SPTrans, Almir Chiarato Dias. “Contra a superlotação, você precisa ter rapidez no trajeto, menos interferência na via, agilizar o pré-embarque. Estamos trabalhando nisso.” No Terminal São Mateus, na Zona Leste, por exemplo, o passageiro paga o ingresso na entrada do prédio, e não quando cruza a catraca. Com isso, a partida chega a ser cinco minutos mais rápida. O mesmo está sendo feito em complexos como Santo Amaro e Grajaú. O urbanista Flamínio Fichmann, consultor de transportes, lembra a responsabilidade d ogoverno municipal no resultado falho das viações: “A estrutura só vai melhorar se a operação for devidamente fiscalizada e houver punição suficiente”.
1ª pior linha: fila para entrar na fila
Quem acompanha o embarque da linha 5110/10 (que vai do Terminal São Mateus, na Zona Leste, ao Terminal Mercado, no centro, em cerca de uma hora) tem uma aula de auto-organização logo nas primeiras horas da manhã. Nos períodos de pico, quando são disponibilizados os carros biarticulados, os passageiros costumam fazer quatro, cinco, seis filas para que os integrantes de cada grupo consigam viajar sentados (chegam a esperar meia hora para isso). Bastam poucos pontos de viagem, porém, para o efeito “sardinha enlatada” se materializar. Com um trajeto de 20 quilômetros, o ramal é o que mais recebeu reclamações na SPTrans neste ano: foram 247 de janeiro a outubro, a maioria por intervalo excessivo (muita espera no ponto) ou porque o motorista não respeitou os pedidos de parada. Para piorar, o trecho que é feito pela Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Mello sofre a interferência das obras do monotrilho. Usuário há dois anos, o analista de sistemas Diego Bento, de 28 anos, passa todo dia por esse périplo. Como mora em São Mateus, caminha até o terminal e, quase sempre, consegue fazer a viagem de ida sentado. No retorno, isso é impossível. “O ônibus sai muito cheio e, quando chega ao meu ponto, simplesmente não dá para entrar”, conta. Por isso, ele desistiu da linha 5110/10 na volta para casa. “Pego outro carro, que faz um caminho 6 quilômetros mais longo, pela Radial Leste. Mas ao menos dá para entrar.” Questionada, a Via Sul afirma treinar regularmente seus operadores e assegura que as queixas costumam originar sanções disciplinares internas.
2ª pior linha: o terror dos motoristas
A linha 4312/10 foi apontada como a segunda em número de reclamações dos passageiros (233 queixas de janeiro a outubro), mas também é muito criticada pelos motoristas. Ela percorre 21 quilômetros do Jardim Marília, na Zona Leste, até o Terminal Parque D. Pedro II, no centro. No ponto final, a estrutura é bastante falha. Não há teto nem bancos. Como não existe banheiro, os condutores costumam usar copos plásticos na hora do aperto. Para esquentarem a marmita, eles contam ter feito recentemente uma vaquinha e adquirido um forno de micro-ondas, instalado dentro de uma guarita. Para piorar, às vezes o veículo quebra no caminho, o que passageiros relatam acontecer com frequência nas subidas íngremes. A empresa VIP diz que planeja aumentar o número de carros do trajeto, de dezoito para vinte, no início de 2015, a fim de aliviar a lotação.
3ª pior linha: passageiros amassados e “umas baratinhas”
“Meus chefes exigem pontualidade, mas com isto aqui fica impossível”, dizia Stefanie Oliveira, de 20 anos, atendente de telemarketing, ao subir na última terça (9) em um ônibus da linha 637A/10, que liga o Terminal Jardim Ângela, na Zona Sul, ao de Pinheiros, na Zona Oeste (232 reclamações). Naquela terça, ela acordou às 5 horas, aguardou 45 minutos na fila, para embarcar às 7 horas, e não conseguiu lugar para sentar. O ápice do desconforto aconteceu na Estrada do M’Boi Mirim. Logo no segundo ponto, as pessoas disputavam até os degraus da escada para usar como assento. Como jamais se pode partir com as portas abertas, um fiscal empurrava quem havia subido, como se tentasse fechar uma mala cheia. Eliana de Jesus, empregada doméstica, que há doze faz esse trajeto, diz: “Os ônibus foram ficando maiores e mais amplos, mas ainda há umas baratinhas andando pelas paredes”. Um dos motoristas do percurso, pelo qual passam 40 000 pessoas por dia, desabafa: “Sou xingado pelos passageiros, que acham que sou o responsável pela superlotação”. A viação VIP também afirma que faz treinamentos constantes com os condutores e ressalta o trânsito ruim dos trechos por onde seus veículos passam.