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OLÁ,

Amor no pano verde

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Esta é uma história verdadeira. Não dou os nomes porque algumas das pessoas ainda vivem.

O homem que a conta, alegre, gordo, de uns 70 anos, tem um olhar malicioso ajudado pelo sorriso, ou é um riso malicioso reforçado pelo olhar. Não perde as temporadas de ópera no Teatro Municipal, sabe de cor longos trechos das árias. Vem a minha casa em algumas reuniões.

Conversávamos sobre as tramas das telenovelas e ele as defendia, sustentando que as óperas eram ainda mais melodramáticas, e eram obras de gênios. Contra-argumentam: “Mas foram criadas na época romântica, não hoje”. E ele rebate: “A gente pensa que as novelas são muito fantasiosas, mas há casos da vida real muito mais novelescos”. Para comprovar, conta a história da sua tia e sua mãe.

Eram duas irmãs ricas. A mais velha, bonita; a mais nova, linda. Moravam desde pequenas na Avenida Angélica, que era um dos endereços mais elegantes de São Paulo. A família tinha carro, conduzido por motorista de quepe e uniforme. Os paulistanos diziam chauffeur, com pronúncia francesa. Por volta de 1920, 1930, não havia muitos na cidade.

Elas estudavam música: piano (mania da época, moda, quase praga, que Mário de Andrade chamava de pianolatria). Tinham piano em casa; um professor do Conservatório Dramático e Musical vinha três vezes por semana tomar-lhes as lições.

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Os nomes das moças foram tirados de personagens de óperas, seus sobrenomes eram de boa família napolitana. Os pais não chegaram pobres da Itália, vieram para fazer negócios, primeiro no interior, e depois de bem estabelecidos se mudaram para a capital. As filhas foram a primeira geração de brasileiros da família.

A temporada lírica do Municipal era o grande acontecimento artístico da cidade, todos os anos vinham companhias italianas trazendo cantores, cenários, figurinos, cinco óperas diferentes, e até maestro e solistas. Os aficionados pobres ficavam no anfiteatro; os remediados, no balcão; os ricos, nos camarotes e na platéia.

A família comprava camarote para todas as estréias, quatro pessoas. Quando as mocinhas chegaram à idade de casar-se, eram elas que ficavam nas cadeiras da frente. À mostra, na vitrine, em sua melhor toalete.

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Ah, o amor.

A filha mais velha apaixonou-se por um vendedor de sapataria do centro. Fosse o jeito delicado dele de tocar no seu pezinho ao provar um sapato, fossem os olhos tímidos escapando dos dela, mas, voltando, fossem as óperas: apaixonaram-se. Proibidos, trancada, vigiada; ele, trabalhador, correto, mas pobre. Namoro? Nem pensar. Ah, o amor. Este acabou vencendo, com conseqüências. Deserdada, expulsa da família, casou-se com o vendedor de sapatos, foram morar na Mooca, tiveram dois filhos e viveram felizes para sempre.

A mais nova, a linda, teve um casamento de pompa. O pai já não andava bem de saúde, fez uma festança como se fosse a última. O noivo era brasileiro de segunda geração, neto de italianos que chegaram pobres e endinheiraram-se. Não trabalhava, gostava de clubes, cassinos, cavalos. Ela, a mais nova, casou-se apaixonada.

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O fim da história já os apanha no começo dos anos 1940. Tinham também dois filhos. Em dez anos, o marido, jogador compulsivo, fora perdendo o dinheiro, a herança, os bens, as propriedades. Uma noite, numa cartada de pôquer, tudo ou nada, apostou a própria bela mulher, e perdeu.

Aqui, há perguntas sem respostas. Teria ele pensado que era dívida incobrável – a esposa uma espécie de caução? Contava com a recusa dela, já que não era uma coisa? E o outro apostador, por que aceitara a parada? Seria apaixonado por ela? Desejava-a? Conhecia-a? Queria humilhar o riquinho falido?

No dia seguinte, o ganhador mandou um carro apanhar na casa hipotecada da Avenida Angélica a dívida de jogo. Imagine-se a cena final. Ela concordou, foi. Os filhos não a quiseram acompanhar. Deixou-os com a irmã, mulher do rejeitado vendedor de sapatos, agora dono de uma pequena sapataria de bairro.

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