Francisco Bosco: “Há uma confusão entre a crítica ao machismo e a crítica aos homens”
Intelectual reflete sobre o papel do homem contemporâneo semanalmente no 'Papo de Segunda' e vem a São Paulo no próximo dia 13 com palestra sobre o amor
É difícil definir a atuação de Francisco Bosco. Formado em comunicação social, ele seguiu carreira acadêmica em teoria literária, área em que fez mestrado e doutorado. Na televisão, fala sobre temas como política, amor e identitarismo. Ele se considera semiólogo, ensaísta ou “intelectual público freelancer”. Mas, na boca do povo, virou filósofo.
“Aceito a nomenclatura, no espírito lacaniano de que a comunicação é o sucesso do malentendido”, conta o pensador, que faz parte do elenco fixo de Papo de Segunda, na GNT, desde 2018. Entre um programa e outro, escreveu os livros Meia Palavra Basta (Record; 128 págs.; R$ 59,90) e O Diálogo Possível (Todavia; 416 págs.; R$ 95,90) — além de outras obras sobre atualidades e três livros de poesia que ele renega.
“São muito ruins. Sou filho de uma pessoa famosa, então cresci vendo meu pai e os amigos lançando livros, discos e filmes. Considerei que publicar um livro era uma etapa muito natural, mas deveria ser a conclusão de um longo processo.”
À Vejinha, o filho do cantor João Bosco conta sobre as transformações do papel do homem e reflete sobre o amor na contemporaneidade — tema de palestra que dará no próximo dia 13 na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, no Morumbi.
Existe um certo preconceito com intelectuais com maior presença midiática?
Existe, e existe por razões pertinentes e por razões que não são pertinentes. Quando se é um intelectual público, que busca alcançar um grande público, é praticamente inevitável que você tenha que vulgarizar bastante seu discurso, já que vivemos em uma sociedade pouco letrada. Nesse sentido, me parece pertinente desconfiar dessa produção intelectual. Por outro lado, muita gente que pertence a esse nicho acadêmico hiperletrado estabelece uma rivalidade com quem vai para a televisão, porque lá tem mais fama e dinheiro. É como se dissessem: “Não posso aceitar que, além de gozar de um maior reconhecimento público e ganhos financeiros, essa pessoa ainda goza do prestígio intelectual”. Essa reação é meramente rivalitária.
Por que o Papo de Segunda faz tanto sucesso?
Acho que faz sucesso por duas razões. Uma é que o programa surgiu em um contexto de transformação profunda no campo das relações de gênero. O programa tem um formato interessante, com quatro homens com uma perspectiva progressista sobre gênero e que lidam com essa mudança. O programa também fica dentro de um canal em que o público é largamente feminino, então me parece que o sucesso vem da possibilidade de as mulheres verem como pensam e vivem homens às voltas com essas transformações profundas no campo dos gêneros. A outra razão me parece que são os bons afetos que circulam entre os integrantes. Acho que temos uma química verdadeira.
Quais são os ganhos que essa nova masculinidade traz?
Para mim o principal deles está no campo do exercício da parentalidade. Não há, na minha opinião, uma experiência afetiva que chegue perto da longa, complexa e desafiadora aventura afetiva que é ter um filho de quem você efetivamente cuida e por quem você se responsabiliza. Tem outros ganhos também. O homem tradicionalmente não podia expressar suas emoções para si mesmo ou para os outros. É uma dor horrível não ter acesso a seu próprio inconsciente. A nova masculinidade permite que o homem tenha acesso a esse inconsciente social e que tenha a chance de se conhecer.
Como os homens têm reagido a essa mudança?
Uma parte aceitou esse processo, considerou-o politicamente justo, o que não significa concordar com ele incondicionalmente. Outra parte vem reagindo contra essa transformação e configurando globalmente um grupo que a gente poderia chamar de conservador, reacionário, extrema direita e masculinista. O homem perdeu sua identidade, e, enquanto alguns a recompuseram, outros estão lutando pela conservação da identidade perdida. Nenhuma transição é fácil, e no caso dos homens significa abrir mão de um conjunto de poderes. E tem gente que gosta muito de poder.
Então você não concorda com o movimento feminista incondicionalmente.
As mulheres ficam chateadas comigo quando digo que deveria haver um ajuste no discurso feminista, que deveria enfatizar uma agenda positiva para os homens, em vez de ficar insistindo em uma estigmatização, uma criminalização e um rebaixamento sistemático dos homens. Há uma confusão sistemática entre a crítica ao machismo, que é pertinente e necessária, e a crítica ontológica aos homens. Isso é um erro tremendo e produz muitas injustiças com jovens meninos, que crescem em meio a esse discurso e são culpabilizados antes mesmo que produzam atos pelos quais, e só pelos quais, poderiam ser culpabilizados. Há, claro, uma agenda negativa, que é importante sustentar, que é a agenda contra a violência sexual, o assédio sexual e moral, as microviolências. Mas é preciso entender que os homens estão passando por uma crise e que ajudá-los a atravessar essa crise não significa minimamente relativizar a força do discurso feminista.
Como lida com críticas como essa?
Infelizmente muitos intelectuais hoje aderem à pressão da lógica de grupos nos meios digitais, e a vontade de pertencimento é tão grande que boa parte deles abre mão de seu compromisso fundamental com a verdade. É muito fácil ser um intelectual de esquerda e ficar o tempo todo batendo na direita e sendo atacado pela direita. Isso não só não dói, como é até uma recompensa narcísica. Venho me colocando em conflito com aquele que considero o meu próprio grupo desde sempre, e é um grupo que me bateu sem dó. Mas não importa, podem caçar minha carteirinha, continuo me considerando um homem de esquerda e progressista.
O que a onda de relações não monogâmicas diz sobre nossas relações contemporâneas?
Há alguns séculos a humanidade se propôs a conciliar, em uma mesma pessoa, desejo sexual, exclusividade sexual, constituição de família, divisão de vida financeira, formação de filhos… São fatores que tendem a ser divergentes e que tentou se unir em um ideal de amor romântico que, no fundo, nunca deu certo para a maioria das pessoas. E isso, geralmente, leva à hipocrisia, à infidelidade. Agora os mais jovens não compreendem de cara esse ideal do amor romântico e tentam outras formas de se relacionar, como o celibato, os trisais e os casamentos não monogâmicos. Eu considero que não há acordo ideal, todas as formas têm problemas e nenhuma é superior à outra. Cabe a cada um encontrar a forma menos pior para seu inconsciente, seus traumas, seu desejo e sua singularidade.
Publicado em VEJA São Paulo de 5 de dezembro de 2025, edição nº2973





