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Infarto: a experiência de Adib Jatene

O cardiologista conta como foi o dia em que acordou com dores no peito e percebeu que estava com o mesmo problema já vivido por milhares de seus pacientes

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 18h14 - Publicado em 9 jun 2012, 00h31
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  • “Já sabia que precisava passar por cateterismo e, eventualmente, colocar um stent. Quatro meses atrás, exames de rotina detectaram problemas em uma coronária. E eu vinha adiando, não por desleixo, mas porque tinha compromissos, congresso, conferência. Até que fui surpreendido naquela quarta-feira (23). O dia anterior havia sido normal: atendi em meu consultório no HCor, fui ao Instituto Dante Pazzanese mexer com o ventrículo artificial que estamos desenvolvendo lá, jantei em casa com minha mulher, Aurice. Acordei às 6h30 sentindo uma dor forte no peito, mas achei que era algo muscular. Agi com normalidade. Tomei banho, me sentei à mesa, bebi café com leite, comi pão com manteiga, geleia, queijo… Não comentei nada com Aurice, para ela não ficar assustada. Às 8 horas, chamei o motorista, contratado depois que fiz 80 anos de idade, por insistência dos filhos, que acham necessário eu ter esse tipo de conforto que nunca busquei na vida. Saí de casa (nos Jardins) direto para o HCor. Como a sensação permanece e vai se intensificando, aumentou a suspeita de que poderia ser sério.


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    Na minha sala, no hospital, mandei chamar a moça responsável por fazer eletrocardiograma em meus pacientes. Eu mesmo li o resultado. Aparecia o supradesnivelamento de segmento ST, uma situação clássica de infarto. A artéria descendente anterior estava obstruída na porção média. Peguei o telefone e não tive dúvida: liguei para o Dante Pazzanese e falei com o médico José Eduardo Sousa. Trabalhamos juntos pela primeira vez em 1959 e hoje ele faz parte da minha equipe no HCor. É um intervencionista altamente reconhecido, foi o homem que utilizou stent pela primeira vez. Com um camarada desse ao lado, era a escolha óbvia. Falei: ‘Preciso de você. Estou infartando e teremos de fazer o cateterismo que deveríamos ter realizado semanas atrás [risos].’ Em seguida, liguei para minha mulher para avisá-la. Ela tem muito escrúpulo em me cuidar, mas se manteve calma, na medida do possível. Fui me dirigindo, então, à sala de hemodinâmica, onde eu seria tratado.

    Quiseram me levar de maca, mas eu disse: ‘Não quero. Prefiro ir andando’. Deitei sobre a mesa, tranquilo, enquanto preparavam tudo para o procedimento. Sou católico, costumo rezar, mas não rezei. Eu sabia o que deveria ser feito, como seria conduzido e o resultado que iria ter. Lido com fatos, não com fantasias. Não fico imaginando coisas. Estamos cansados de ver doentes que chegam aqui infartando. É a nossa rotina. A intervenção era a urgência naquele momento e eu nunca discuto problemas, apenas soluções. Quem me conhece sabe que sou assim desde sempre. Quando surgiram no mundo as válvulas artificiais e nós não tínhamos condições de importá-las para o Brasil, eu só pensava em dar um jeito: ‘Como é que eu vou fazer isso aqui?’. E, em 1964, as montamos, com o material disponível no país. Em 1958, para fazer o coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, fui a uma fábrica pedir para adaptarem um motor e depois comprei peças na Rua Santa Ifigênia, que na época já era um polo eletroeletrônico. Sou otimista.

    Quando o Eduardo chegou ao hospital, estava tudo pronto para o procedimento. Queria dispensar a sedação, para assistir ao trabalho, mas não me deixaram. [José Eduardo Sousa explica: “Justamente por ele conhecer as etapas da técnica, poderia ficar ansioso e ter aumento de pressão arterial, o que não seria conveniente”.] Confio no médico e no hospital. No HCor, o número de mortalidade nesses casos é de 1,8%, enquanto nos hospitais menos diferenciados, onde o diagnóstico demora, é de 20% a 30% [cerca de 10.000 pessoas morrem do mal anualmente na cidade].

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    A obstrução da coronária era total, de 100%, mas posso dizer que tive um pequeno infarto, que acabou antes de ficar grande. Os filhos ficaram sabendo pelas pessoas do hospital e estavam ali. [A exceção foi Iara, a única dos quatro a não seguir a medicina, a quem os irmãos decidiram avisar só depois que a intervenção tivesse acabado, para evitar preocupações. Ela conta: “Mas o namorado da minha filha ouviu a notícia no rádio, ela me ligou chorando e, obviamente, fiquei desesperada. Quando liguei para saber notícias, passaram o celular para o meu pai e ouvi dele que tinha dado certo.”] Passei uma semana na Unidade Coronariana e outra em casa.

    Voltar à ativa está sendo ótimo, não gosto de períodos sem trabalhar. Felizmente, tudo corre muito bem na recuperação. É um grande erro achar que o infartado precisa de repouso por muito tempo. A lesão se cicatriza em quinze dias, e já posso voltar a fazer exercícios.

    Jatene CAPA 2273
    Jatene CAPA 2273 ()
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    Para que o cateterismo tenha o máximo de eficiência, calculamos que o tempo porta/cateter (da entrada no hospital ao início do procedimento) deve ser menor que noventa minutos. No meu caso, foi menor que trinta. Por isso, não tive medo de morrer. Nunca tenho, aliás, por essa característica que citei: concentrar-me nas soluções. Uma vez, quando estudante da USP, treinava para uma competição internacional de remo em Porto Alegre. O cais do Rio Guaíba estava sendo construído, e um navio rebocador veio em cima do nosso barco. Quando percebi que ele não iria se desviar, eu me preparei, agarrei os pneus amarrados no casco e fui pendurado até a plataforma (na época, não sabia nadar). Só quando me vi a salvo é que pensei nos riscos.

    Todas as pessoas correm algum perigo na vida, isso é normal. Meu infarto, aliás, só não foi mais grave porque sempre pratiquei muito esporte e, por isso, tenho o que se chama de circulação colateral (desenvolvimento de vasos sanguíneos que servem de alternativa para o fluxo quando outros estão obstruídos).

    Hoje, aos 83 anos, faço caminhada, sou um bom paciente. Nunca passei de 90 quilos. A única coisa que me é desfavorável é ter ficado diabético de dez anos para cá (em decorrência de uma pancreatite). Tomo a medicação corretamente, não sou hipertenso, não fumo e não sou irritadiço, apesar de emotivo. Fiz tudo ao meu alcance, com a exceção dessa colocação de stent, que deveria ter sido realizada antes. Evidentemente, nunca se deve adiar o tratamento dessa forma devido a compromissos e correr o risco que eu corri.”

     

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