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A São Paulo dos Desejos

A chegada de grifes como Hermè e Gucci é apenas a vitrine de um mercado que cresce e transforma São Paulo na capital do consumo classe A da América Latina

Por Simone Esmanhotto
Atualizado em 5 dez 2016, 18h11 - Publicado em 13 abr 2011, 16h23

Uma cena curiosa tem se passado desde que o Shopping Cidade Jardim abriu as portas, em junho. Contra as regras da segurança do endereço de compras classe A de São Paulo, visitantes tiram fotos diante da futura Hermès. “Mas é só um tapume laranja!”, diz, surpreso, Christian Blanckaert, vice-presidente de assuntos internacionais da grife. É fácil entender o espanto. Christian presidiu o Comitê Colbert, associação que cultiva os padrões de produção do mercado de luxo, e hoje comanda a expansão global de um dos maiores símbolos do refinamento francês. Freqüentar o número 24 da Faubourg Saint- Honoré, há 128 anos sede da maison, é tão natural quanto respirar o ar da capital francesa. Daí o estranhamento com o comportamento de alguns paulistanos. A primeira loja brasileira da Hermès nem abriu — a previsão é abril do ano que vem — mas já se trata de um acontecimento.

Em 2009 não será mais preciso fazer parte do jet set para consumir Hermès. Mais do que isso, será o ano em que São Paulo, responsável por 72% do consumo de luxo no Brasil, entrará para o mapa de expansão das grifes internacionais. Em maio de 2008, Tom Ford desembarcou na Villa Daslu para inaugurar sua terceira loja, depois de Nova York e Zurique e antes de Milão. No mesmo mês e endereço, a Balenciaga passou a ocupar um espaço de 54 metros quadrados. Laudomia Pucci, filha do fundador da Emilio Pucci e sua diretora de imagem, deu estampa na festa de abertura da primeira loja da marca na América Latina, na área ao lado da Dior. Neste mês, é a vez do Shoe Space, com 12.500 pares de sapatos importados. Conhecidas pelas bolsas de qualidade, a Longchamp e a Furla desembarcaram no Cidade Jardim, que também vai abrigar a segunda Chanel da cidade. No Shopping Iguatemi, depois da 7 For All Mankind e seus jeans de quatro dígitos e dos produtos de beleza Kiehl’s, a Gucci chega com uma loja de 470 metros quadrados. Decorada com jacarandá, mármore, metal dourado e vidro, a filial paulistana será a terceira no mundo a exibir a nova decoração ditada pela estilista Frida Giannini. Nos Jardins, Natalie Klein, dona da NK Store, brindou com Veuve Clicquot a inauguração de espaços Stella McCartney e Missoni dentro da multimarcas. O próximo passo é abrir a primeira Marc Jacobs da América Latina, uma loja de 500 metros quadrados com entrada pela Haddock Lobo, em frente à Cartier.

Não é coincidência essa mudança de paisagem. Desde que as grifes mais caras do mundo deixaram de ser empresas familiares abastecendo a elite do planeta e viraram, nos anos 1980, parte de conglomerados bilionários comandados por homens de negócios, conquistar novos consumidores virou questão de sobrevivência. Japão e Estados Unidos foram os primeiros destinos. Agora é a vez de mercados antes considerados periféricos virarem o centro das atenções. É senso comum entre os executivos que não se pode perder o bonde. Quem chega primeiro garante uma fatia melhor de mercado por uma razão simples: familiaridade do cliente com a marca e desta com o consumidor. Vide o caso da Louis Vuitton. No país desde 1999, a LV acaba de abrir a quarta loja em São Paulo, cidade onde as vendas crescem quatro vezes mais do que a média mundial.

China, Rússia e Turquia são as fronteiras mais cobiçadas, mas o Brasil não fica muito atrás. “O país deixou de ser uma república de bananas aos olhos das grandes grifes”, diz Alejandro Pinedo, da Interbrand Brasil, consultoria inglesa que publica uma lista das marcas mais valiosas do mundo. Das 100 avaliadas, nove vêm do universo da moda, joalheria e relojoaria fina: Louis Vuitton, Gucci, Chanel, Rolex, Cartier, Tiffany, Prada e Armani, instaladas nos quatro guetos de luxo da cidade. A nona, a Hermès, é a derradeira a se fixar em território paulistano. Uma das razões apontadas pelas marcas para apostar as fichas por aqui é o crescimento do poder aquisitivo no Brasil. Só em 2007, 63 pessoas por dia fizeram seu primeiro milhão no país, segundo dados da Merrill Lynch. Em cinco anos, o número total de milionários saltou de 92.000 para 143.000 pessoas. A consultoria Escopo Geomarketing contabilizou o número de paulistanos cuja renda familiar mensal ultrapassa 50.000 reais: 34.000 pessoas, 10.000 a mais do que no mesmo levantamento feito há três anos. “Antes, recebíamos apenas clientes das famílias tradicionais, conhecedoras da Cartier”, afirma a diretora da marca, Véronique Claverie. “Hoje, atendemos clientes do interior e de outros estados, que às vezes querem gastar e não sabem como.” Essa leva de reais fresquinhos ajudou a elevar o gasto médio mensal na joalheria francesa de 8.000 reais, em 2006, para 11.000 reais, em 2008.

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As grifes miram também numa nova classe média. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas aponta que 93,8 milhões de pessoas, metade da população do país, possui hoje renda familiar entre 1.064 reais e 4 561 reais por mês. Só em São Paulo, 2,9 milhões de pessoas — mais de um quarto da população da cidade — têm rendimento familiar acima de 6 000 reais. “Estamos de olho nas classes B e C”, diz Jean Cassegrain. O diretorgeral da Longchamp desistiu de abrir uma loja nos Jardins porque, há quatro anos, as calçadas eram irregulares e uma mulher não podia andar de salto alto. O motivo não parece prosaico quando pesquisas apontam que as mulheres são responsáveis por 56% das compras de luxo. Numa visita recente a São Paulo, Cassegrain se encantou com as boas-novas: a primeira remessa da bolsa Légende, de 2.240 reais, desapareceu das prateleiras em três dias; a Oscar Freire estava repaginada, à prova de acidentes com saltos 10. Agora ele se concentra na segunda loja na cidade. Impressionado com o vaivém de gente no primeiro shopping do país — 48.000 pessoas por dia, 67% delas com renda superior a 13.000 reais mensais —, é possível que ele escolha o Iguatemi.

“E pensar que até pouco tempo atrás nada disso existia”, lembra Eliana Tranchesi, dona da Villa Daslu, hoje com 333 marcas importadas e 180 vendedoras. Considerada um templo do consumo dos muito ricos, a butique abriu uma filial no Shopping Cidade Jardim. Quem não se sentia à vontade na Villa entrou, foi bem atendido por vendedoras treinadas para ajudar novos clientes, e gastou até. No primeiro mês de funcionamento, a Daslu vendeu 7 milhões de reais.

O Brasil ainda representa a modesta fatia de 0,8% dos 170 bilhões de euros (cerca de 460 bilhões de reais) movimentados anualmente pelo mercado global de luxo. A melhor das previsões, da consultoria Bain & Co., é que o mercado nacional cresça 35% até 2013. No ano que vem, devem desembarcar por aqui Goyard, Azzedine Alaïa, Givenchy, Balmain, Lanvin, Anne Fontaine, Juicy Couture. E, em 2010, os donos do Iguatemi planejam inaugurar o Shopping JK, com marcas de luxo inéditas no país. O grupo JHSF, do Cidade Jardim, promete para daqui a dois anos um outlet em pleno funcionamento no quilômetro 60 da Rodovia Castello Branco para escoar as sobras das lojas classe A. Pode ser que, no futuro, o cenário do mercado de luxo de São Paulo se pareça mais com Paris ou Nova York. Com uma vantagem: só aqui será possível comprar a Birkin, a bolsa mais cobiçada da Hermès, em “suaves” prestações.

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