Espalhados pelos cômodos do apartamento do ginecologista Cassiano Andalaft, vários objetos denunciam o vazio causado pela ausência de um antigo morador. As fotos, os brinquedos e um cantinho com potes de comida pertencem a um boxer de 3 anos e 33 quilos chamado Boris. Enquanto segura um porta-retratos, seu dono não esconde o semblante triste. A razão é a disputa que trava com a e x-mulher pela guarda do pet desde o fim do casamento de dois anos, em dezembro passado.
Em um primeiro momento, Andalaft ficou quatro meses com o cão. “Em abril, ela pediu para passar um mês com ele e nem pensei em recusar”, lembra. “Na hora de entregá-lo de volta, ela começou a despistar.” Sem conseguir encontrar o companheiro por quatro meses, o médico cogitou entrar com uma ação na Justiça. Há quinze dias, negociou para buscá-lo nos fins de semana, mas quer mais do que isso. Sua intenção é adicionar uma cláusula nos documentos do divórcio, que deve ser assinado neste mês, para garantir a divisão igualitária da guarda do bicho. “Se ela for aprovada, Boris vai morar comigo por duas semanas do mês”, diz. “Nunca mais quero ficar sem vê-lo.”
Há anos utilizada na separação de casais com filhos, a guarda compartilhada tornou-se recentemente uma ferramenta para donos de animais. Considerando uma amostragem de cinco grandes escritórios de advocacia da capital (Chamma, Euclides de Oliveira, Zucchi Weissheimer, Gerke e Guimarães Bastos), o número de casos atendidos duplicou no último ano, chegando a quinze. “Além do local de moradia, os pontos de discussão são os dias de visita e até a divisão da conta do veterinário”, afirma a advogada Gladys Chamma, que representa Andalaft. Para dar fim à disputa, os magistrados costumam basear-se em três fatores.
Primeiro, confere-se quem era o proprietário original do animal e avalia-se qual dos dois tem mais condições de abrigá-lo. “Mas, se o casal possui filhos, é quase certo que ele irá para a casa das crianças”, explica a advogada Alessandra Bastos. Há quem inclua outros argumentos para ganhar a causa. “Recentemente, uma mulher alegou que o cachorro ajuda no seu tratamento contra a depressão”, diz a juíza Daniela Morsello, da 1ª Vara de Família e Sucessões. “Ainda estou analisando o caso”.
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O fenômeno também ganhou visibilidade pela adesão de famosos. Um exemplo é o da atriz Thaila Ayala e do ator Paulo Vilhena, que se separaram em 2013 após um relacionamento de cinco anos. Hoje, o ex-casal divide a posse do buldogue Zacarias. Trata-se de uma situação confortável para ambos, que viajam com frequência e têm alguém deconfiança com quem deixar o animal. Em alguns casos, no entanto, a guarda compartilhada cria problemas à rotina.
Foi o que ocorreu com a nutricionista Camila Malacrida. Dona de três cães da raça lhasa apso, ela incluiu uma cláusula no contrato de divórcio, firmado em 2013, para dividir a tarefa com o ex-marido: os pets passariam uma semana na casa de cada um. Camila chegou a comprar um apartamento perto de seu consultório, em Osasco, para visitar o trio em horários livres durante o dia. Passados três meses, no entanto, percebeu que a mudança constante não fazia bem a eles e abriu mão da guarda. “Já são velhinhos, ficam mais confortáveis em um só território”, justifica. “Alguns animais, gatos principalmente, realmente precisam ter o seu canto definido”, explica o adestrador Alexandre Rossi, o Dr. Pet, que compartilhou com a ex a guarda da vira-lata Sofia por um ano, até a cadela morrer de câncer, em julho do ano passado.
Como em outras áreas do direito, os especialistas recomendam que as partes tentem buscar um acordo antes de entrar com ações. Até porque, nesse caso, recorrer à Justiça não garante que o problema seja solucionado. Como não há uma regra que regule a guarda de animais no país, o juiz pode se negar a analisar a causa. Um projeto está em trâmite na Câmara Federal para mudar esse cenário. Criado pelo deputado RicardoTripoli (PSDB), ele estipula que, em caso de separação litigiosa, se estabeleça a guarda pelo vínculo afetivo. Se a ideia emplacar, as partes terão a chance de provar quem possui mais intimidade com o bicho — por meio de fotos, por exemplo — e ganhar a guarda definitiva. A proposta está sendo avaliada pela Comissão de Meio Ambiente da Casa. Ainda terá de passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir ao plenário. “Acredito que se torne lei em novembro”, diz Tripoli.
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Tribunal canino
As principais dúvidas dos donos
> Posso acertar a guarda compartilhada de qualquer animal de estimação?
Na prática, sim. Mas gatos gostam de ter um território definido e são menos adaptáveis a mudanças de ambiente do que cães.
> O que é possível negociar no acordo?
Os pontos mais comuns incluem a definição da moradia, os dias de visita e a divisão de gastos, como a conta da pet shop.
> Qual é o período ideal para a permanência do bicho em cada residência?
Em geral, os acordos preveem trocas a cada quinze dias. Outra opção é um ficar com o animal de segunda a sexta e o outro, nos fins de semana.
> A Justiça pode se negar a julgar meu caso?
Sim. Pela lei atual, o animal é considerado um bem material. Portanto, a disputa por sua guarda ainda não está prevista no Judiciário.